Leia um jornal ou revista de cabo a rabo. Assista um programa de notícias na televisão. Passe os olhos em uma entrevista de algum renomado especialista em assuntos internacionais. Será impossível desviar sua atenção das notícias de guerras, mudanças climáticas, violência, criminalidade, perseguição a minorias, poluição, atritos culturais, declarações infelizes de autoridades, doenças, hecatombes. Ficamos com a impressão de que a humanidade caminha celeremente rumo a barbárie, que engatamos a marcha ré na história.
A questão é de perspectiva. Quanto mais tempo de vida, conforto e bem-estar a sociedade nos oferece, mais críticos e mal-humorados ficamos com ela. A citação é de Steven Pinker, no seu belíssimo livro O novo iluminismo: em defesa da razão, da ciência e do humanismo (São Paulo, Companhia das Letras, 2018). Olha só: “um bebê britânico que sobrevivesse aos perigosos primeiros anos de existência viveria até os 47 anos em 1845, 57 em 1905, 72 em 1955 e 81 em 2011” (pg 83).
Apesar de vivermos mais e, sem sombra de dúvidas, melhor (ao longo do tempo, desenvolvemos remédios para aplacar a dor e controlar a ansiedade, o nível educacional aumentou, temos muito mais opções culturais, nossos deslocamentos são muito mais rápidos, etc), a impressão é de que o mundo está fadado ao fracasso, não tem jeito. E parece que a opinião pública, de um modo geral, apoia e valoriza essa atitude blasé em relação ao período histórico que vivemos. Olha só o charme que envolve até hoje a figura de intelectuais como Nietzsche, Schopenhauer, Sartre, Foucault, os influencers do pessimismo.
Apesar de todo mundo gostar de aparecer feliz e rico nas redes sociais, o fato é que adotar a “progressofobia” dá espaço na mídia e likes, significa que o sujeito está “antenado”. Adotar uma postura agressiva, repetir que nada é bom, nada presta e tudo está errado confere uma inexplicável aura de sabedoria ao emissor da mensagem, embora essa interpretação fajuta esteja absolutamente desconectada da realidade. Qualquer laivo de reconhecimento de que, afinal, o mundo se desenvolveu, afoga o raciocínio no pântano da superficialidade mal-intencionada.
Existe uma inexplicável nostalgia do desconforto que tínhamos no passado. Reconhecer avanços é para os fracos. O ser humano raiz seria aquele que sofre. O conforto, por definição, seria “acrítico”, uma espécie de ereção errada. A sofisticação estaria na distância da humanidade que sufoca e proximidade com a natureza, com seus pernilongos e borrachudos. Ao invés de anti-histamínico para aliviar a reação alérgica às picadas, vamos coçar com força até sair sangue. Isso sim é ser moderno!