Há cerca de 40 anos, de forma populista e demagoga, o então governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, praticamente proibiu a Polícia Militar de ingressar nas comunidades do Rio de Janeiro. O resultado está aí, à vista de todos. O fortalecimento do crime organizado, que domina as comunidades cariocas.
Durante a pandemia, a Suprema Corte, por maioria de votos, agiu de forma semelhante a Brizola. Em ação promovida pelo Partido Socialista Brasileiro, tendo como Relator o Ministro Edson Fachin, proibiu operações policiais nas comunidades cariocas, exceto em situações extraordinárias, com prévia comunicação ao Ministério Público e de forma fundamentada, sob pena de responsabilização civil e criminal; e, também, limitou o uso de helicópteros nas ações policiais apenas para os casos de extrema necessidade (ADPF 635 MC-TPI / RJ).
O fundamento basilar da decisão é que há grande letalidade neste tipo de ação e que a pandemia agravou o quadro.
Já escrevi vários artigos e participei de Lives sobre esse tema, mas que está sempre em aberto, uma vez que a violência nas comunidades do Rio de Janeiro, decorrente do domínio pelas organizações criminosas, não cessa.
Não precisa ser nenhum adivinho ou especialista em segurança pública para saber que as comunidades do Rio de Janeiro iriam se transformar em local de ninguém, ou melhor, dos bandidos do Comando Vermelho ou de facções rivais.
Quem conhece como ninguém o que ocorre nas comunidades cariocas são as polícias locais e ninguém mais. Tampouco o Supremo Tribunal Federal, cuja função é julgar e não combater o crime.
Assim, se houve operações policiais é porque a polícia está exercendo suas funções, que estão descritas no artigo 144 da Constituição Federal. Isso mesmo. É a Carta Magna que diz ser dever da Polícia Militar a preservação da ordem pública e o policiamento ostensivo, ao passo que cabe à Polícia Civil as funções de polícia judiciária estadual e a apuração de infrações penais de sua atribuição.
A partir do momento em que o Estado oficial não se faz presente, assume o seu lugar o estado paralelo do crime. Nele, impera a “lei do tráfico”, a “lei do cão”, onde há até pena de morte, cujo veredito é dado pelo “tribunal do crime”. E a situação se agravou demais com a proibição de ações regulares nas comunidades cariocas, deixando seus moradores desamparados, ou melhor, sob o jugo do crime organizado, havendo relatos de que seus chefes poderiam até mesmo escolher as garotas com quem iriam manter relações sexuais, mesmo contra a vontade delas e de seus pais, o que caracteriza estupro. Mas recorrer a quem se o Estado oficial não pode intervir?
A maioria dos mandados de prisão, buscas e apreensões, intimações e diversas outras ordens judiciais e diligências policiais não foi cumprida durante este período nas comunidades, onde, para a polícia ingressar, só com aparato de guerra, após cientificação do Ministério Público e de forma fundamentada, sempre excepcionalmente, conforme determinação da Excelsa Corte, sob pena de os “infratores” serem responsabilizados civil e criminalmente em caso de descumprimento. Ou seja, os agentes de segurança pública e seus chefes poderiam ser punidos por exercerem suas funções determinadas pela Magna Carta.
Atualmente, o quadro piorou muito diante da quase ausência do Estado naqueles locais. O crime organizado disso se aproveitou. Adquiriu mais armas, construiu fortificações e rotas de fuga, muitas passando pelo interior das casas, que também são usadas como depósitos de armas, munições e drogas.
O que deveria ensejar a intervenção do Poder Judiciário é a omissão do Estado no combate ao crime, e não sua atuação para debelá-lo. Quem sofre com isso é a população ordeira, que não tem a quem recorrer quando seus bens jurídicos são violados pela bandidagem, que age livre, leve e solta em razão da ausência de policiamento ostensivo, função essa que é atribuída à Polícia Militar pela Constituição Federal.
Até tocas foram cavadas nos pontos mais altos para impedir qualquer tipo de invasão. Basta colocar no local uma .50, .30 ou uma MAG .762, que só o Exército e seus blindados poderão subir os morros e ingressar nas comunidades em geral.
Não há como adentrar às comunidades sem que haja resistência do crime organizado. Os policiais quando o fazem são recebidos a tiros de armas de grosso calibre. E o grande aliado dos policiais neste momento são os helicópteros, para lhes dar segurança e orientação. Sem o seu emprego, a letalidade pode ser grande, não dos marginais, mas dos policiais que arriscam suas vidas para preservar a segurança e combater o crime.
Para quem não sabe, os helicópteros são empregados nas operações policiais para observação do campo de atuação, para embarque e desembarque da tropa e, somente em último caso, para alvejar marginais, que coloquem em risco a tropa ou a aeronave. O tiro é disparado por atirador de elite, que possui anteparo para sua arma, ou seja, dificilmente errará o alvo. Aliás, não se tem notícia de pessoa alvejada por erro de pontaria ou acidente no uso dos meios de execução.
Ninguém desconhece que efeitos colaterais ocorrem em algumas ações policiais nas comunidades. E disso se valem os bandidos e alguns políticos para pedir que a polícia não exerça suas funções. É comum o próprio marginal alvejar moradores ou usá-los como “escudos humanos” para reclamar posteriormente da letalidade policial.
No entanto, sopesando as situações, não há a menor dúvida de que é muito pior permitir um estado paralelo dentro do Estado oficial, que detém o poder de vida e morte nas comunidades, empregando suas próprias regras para fazer valer a “lei do tráfico”, que pune com a pena capital diversas condutas, dentre elas a desobediência às suas determinações.
Não questiono a boa vontade de querer reduzir a letalidade policial, mas não será dessa forma. Estão sendo travadas batalhas pelo poder local com dimensão de danos inimagináveis, inclusive com perda de vidas de cidadãos de bem, o que tende a aumentar cada vez mais sem a presença do Estado.
Não canso de dizer que os Poderes da República deveriam ser independentes e harmônicos, de modo que um não se imiscua na função do outro. O Executivo administra, o Legislativo legisla e o Judiciário julga. É o que consta do artigo 2º da Constituição Federal.
Montesquieu deve estar se revirando no túmulo e pensando no que falhou ao escrever sobre a independência dos Poderes. A nossa Constituição Federal, quando diz que os Poderes da República são independentes e devem conviver em harmonia, foi reescrita por alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, que dão às normas de todas as espécies o sentido que quiserem, já que no direito nem sempre dois mais dois são quatro.
Segurança pública é dever do Estado. E seu combate, na grande maioria dos crimes, é função do Estado membro. Nem mesmo a União é competente para o combate ao crime regular, ou seja, a grande criminalidade. Aquela que ocorre nas ruas, inclusive nas favelas, tendo o tráfico de drogas como mola propulsora.
Enfim, quem conhece um pouquinho de segurança pública tinha plena certeza de que o futuro seria exatamente o que estamos vendo agora. Guerra de facções, mortes de inocentes e a polícia recebida a tiros de armas de grosso calibre, exigindo o emprego de resposta ainda mais violenta, aumentando a probabilidade de efeitos colaterais.
O pior cego é aquele que não quer ver.
Que Deus proteja os cariocas.
Quer saber mais, assista ao vídeo de uma Live que participei há cerca de quatro anos em que analiso com profundidade o tema e antevi o que iria ocorrer.