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Democradura – por Foch Simão

A democracia, em sua essência, é o regime da pluralidade, do dissenso e da convivência entre opiniões divergentes. É nela que se afirma o direito de pensar, falar e agir sem o peso da intimidação. Contudo, quando se instala o medo de opinar, quando a crítica se torna um risco, quando a palavra é sufocada por ameaças de processos, censuras veladas ou perseguições, o que resta já não é democracia, mas uma caricatura dela; a democradura.

A democradura veste-se de roupagens institucionais, sustenta-se em discursos de legalidade e proclama a defesa da ordem. Mas por trás dessa fachada repousa um regime que neutraliza a liberdade em nome da “proteção das instituições”. O que deveria ser instrumento de garantia da cidadania transforma-se em aparato de vigilância, e aquilo que deveria assegurar direitos torna-se mecanismo de intimidação.

Nesse ambiente, o cidadão aprende a calar antes mesmo de falar. A autocensura, mais cruel do que qualquer mordaça explícita, instala-se como hábito. A sociedade passa a conviver com um silêncio forçado, onde a indignação não encontra eco e a coragem se converte em suspeita.

Não se trata apenas de um problema político, mas de uma erosão social profunda. Uma sociedade que teme a crítica perde sua vitalidade; um povo que não pode interpelar seus governantes ou suas instituições deixa de ser livre para tornar-se vassalo. A democradura não governa apenas com leis, mas com o pavor, o pavor do isolamento, da criminalização, da retaliação.

É nesse ponto que se revela o maior de seus perigos, ela mina não apenas a liberdade externa, mas a dignidade interior. Pois o indivíduo que não ousa falar já não se reconhece como sujeito autônomo; é apenas parte de uma engrenagem que se mantém pela obediência e pelo silêncio.

Assim, a democradura não é a ausência total de democracia, tampouco a tirania assumida de uma ditadura. É o terreno intermediário, cinzento e enganoso, onde se preservam as aparências de participação, mas se elimina o coração da vida democrática, a liberdade de expressão, a confiança no debate público e a possibilidade real de discordar sem ser punido.

O pior contexto nessa pantomima de liberdade é a manifestação dos déspotas tentando explicar o inexplicável, as suas ações tirânicas travestidas de legitimidade legal. Com discursos ornamentados de juridicidade, pretendem convencer que a mordaça é proteção, que a repressão é ordem, que o silêncio é prudência cívica. A
retórica, nesse cenário, serve apenas como véu para a violência simbólica e institucional.

Quando a democracia se converte em mera formalidade, resta apenas o eco vazio de suas instituições. O povo já não é soberano; é apenas figurante. E nesse palco, onde todos atuam sob vigilância, a liberdade deixa de ser realidade para tornar-se lembrança.

“Não devemos temer nada neste mundo, pois o que tememos são os frutos das
nossas próprias escolhas.”

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