Como se sabe, o Brasil é recordista mundial na quantidade de sindicatos e de processos trabalhistas. São estatísticas que deveriam nos envergonhar, mas há quem se envaideça, parecendo entender que esses números indicam que a solução dos problemas sociais, que se arrastam há mais de um século, será encontrada nos conflitos judiciais.
Vou me ater brevemente à divisão de empregados e empregadores em categorias profissionais e econômicas, adotada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943. “A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica”, diz o art. 551, parágrafo primeiro. “A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar correspondente à categoria profissional”, prescreve o mesmo artigo no parágrafo segundo.
Os dois dispositivos são deliberadamente obscuros. Não primam pela clareza. Não bastasse, o legislador complicou ainda mais ao criar as categorias diferenciadas, compostas por empregados “que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional essencial ou em consequência de condições de vida similares” (art. 511, § 3º).
A forçada divisão de trabalhadores e patrões em categorias definidas, resultou, como não poderia deixar de ser, nas definições de empregadores e empregados, contidas nos artigos 2º e 3º da CLT.
A Organização Sindical, detalhada no Título V da CLT, permanece lastreada no art. 511, o qual, por sua vez, tem raízes fincadas no art. 138 da Carta Constitucional de 10/11/1937, cópia mal disfarçada do art. III da Carta Del Lavoro fascista de 21/4/1927, cujo texto dizia: “A organização sindical ou profissional é livre. Mas só o sindicato legalmente reconhecido e sujeito à fiscalização do Estado tem o direito de representar legalmente toda a categoria de empresas ou de trabalhadores para o qual e constituído; de defender os interesses desta perante o Estado e as outras associações profissionais, de celebrar contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os membros da categoria, de impor-lhes contribuições, e de exercer em relação a eles funções delegadas de interesse público”.
Investidos de poderes absolutos, os quatro integrantes da Comissão Elaboradora da CLT: Luís Augusto de Rego Monteiro, José de Segadas Viana, Arnaldo Lopes Sussekind, e Dorval de Lacerda, com a anuência do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, dividiram o Brasil agrário da década de 1940 em Quadro rígido de Atividades e Profissões, conforme ordenava o art. 577 da CLT, ao qual viriam a agregar Categorias Diferenciadas e Profissões Liberais.
Com a implantação do regime democrático, e a proliferação de sindicatos profissionais e patronais, multiplicaram-se os conflitos de representação e as disputas de bases territoriais, provocados pelo desaparecimento do Quadro de Atividades e Profissões, pela facilidade do registro no Ministério do Trabalho, e pela obscuridade de velhos textos legais.
Diante do crescente número de ações em torno da representatividade, a Emenda Constitucional nº 45/2004 procurou resolver o problema da competência, atribuindo à Justiça do Trabalho a responsabilidade de conhecer e resolver os conflitos entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores, conforme prescrito pelo art. 114, III
Chegamos, enfim, à perfeição. Além de pertencer obrigatoriamente ao sindicato único da categoria profissional, embora não filiado ao quadro associativo, nos casos de conflitos judiciais é o Poder Judiciário quem determinará qual sindicato que detém a representação do trabalhador, seja ele associado ou não.
O Brasil assinou, mas não ratificou a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em Assembleia Geral realizada em junho de 1948. São 185 os países filiados à OIT. Aproximadamente 160 ratificaram a Convenção que trata da autonomia de organização e liberdade de filiação. O nosso é um dos poucos que se recusaram a fazê-lo.
Até aí, consigo entender. Não consigo entender, entretanto, porque empregados e empregadores continuem a integrar categorias econômicas e profissionais criadas em 1943, sob a ditadura de Getúlio Vargas, não tendo o direito de optar pela livre filiação a sindicato de sua livre escolha.
Após tantos anos de luta, convenci-me da impossibilidade da ratificação da Convenção nº 87 da OIT, apesar do compromisso com “os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, assumidos no Preambulo da Constituição de 1988.
No campo da organização sindical, a era Vargas permanece entre nós, 80 anos após a queda da ditadura, e 71 após a morte do ditador.
A sobrevida da era Vargas. Por Almir Pazzianotto

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do TST
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