Não há mais ninguém preso pela Operação Lava-jato. O último que deixou a prisão foi o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, condenado a centenas de anos por desviar não se sabe ao certo quanto, porque nem tudo foi apurado, mas milhões e milhões de reais dos cofres públicos.
E, como não poderia deixar de ser, em decisão monocrática, o Ministro Gilmar Mendes anulou duas condenações do ex-deputado federal José Dirceu, aquele mesmo que já fora condenado no “Mensalão” por corrupção e lavagem de dinheiro (fonte: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-anula-atos-processuais-de-duas-acoes-penais-contra-jose-dirceu/ ).
Com isso, se não houver outra condenação e a decisão não for revertida pela 2ª Turma do STF em recurso que provavelmente será interposto pela PGR, ele deixa de ser considerado “ficha suja” e terá seus direitos políticos restabelecidos, podendo concorrer nas próximas eleições.
Toda sorte de manobra política e jurídica foi milimetricamente planejada para acabar com a maior operação de combate à corrupção deflagrada neste país e uma das maiores do mundo.
O resultado está aí, à nossa volta, e impactará na vida de todo cidadão de bem, de direita ou de esquerda, pelos mais variados motivos, que não é preciso e nem recomendável externar.
Antes da deflagração da Operação Lava-jato era impensada a condenação da nossa “oligarquia”, representada por aqueles mesmos políticos, muitos deles mantidos no poder às custas de imensa propina, fornecida por empresários inescrupulosos, que sempre viram o lucro acima de tudo, inclusive da qualidade de vida, saúde e bem-estar da população.
De repente, regras reinantes e aplicadas em diversos outros casos foram drasticamente alteradas, leis publicadas e jurisprudência revista de modo a anular por vícios processuais aqueles processos, que seguiam as regras processuais do momento do ato, tanto que as decisões foram, em sua grande maioria, mantidas por unanimidade nos tribunais locais e no Superior Tribunal de Justiça.
E essas anulações por vícios formais foram quase sempre determinadas por três ministros de uma das turmas da Suprema Corte ou de forma monocrática por meio de liminar.
E a maior prova, se assim a podemos chamar, para anular as condenações foram aquelas mensagens criminosamente hackeadas mantidas entre Procuradores da Lava-Jato, inclusive com o então Juiz Sérgio Moro.
Porém, as mensagens são provas manifestamente ilícitas, não podendo ser admitidas no processo. E todas as demais provas delas derivadas serão contaminadas pela ilicitude original, aplicando-se a teoria dos frutos da árvore envenenada, nos termos do § 1º do art. 157 do Código de Processo Penal.
As mensagens criminosamente hackeadas e não autenticadas, prova manifestamente ilícita e inválida, nunca poderiam ter sido empregadas, mesmo que em favor do acusado, dada à gravidade da conduta, que consiste em crime, além de não haver prova de que não houve montagem, edição ou retirada do contexto.
Admitir processualmente prova assim obtida, flagrantemente ilícita, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade em favor do acusado, irá incentivar outras invasões a dispositivos informáticos por criminosos, na esperança de encontrar algo que possa anular processo em que estejam envolvidos (sobre a ilicitude probatória das mensagens hackeadas, vide: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-ilicitude-probatoria-e-as-mensagens-hackeadas/1860037455 ).
Ademais, as partes negaram a existência de muitos dos diálogos, que não puderam ser autenticados, ou seja, pode ter havido montagem ou edição dos textos, tornando-as imprestáveis como prova. Só é possível autenticar as mensagens com a apreensão dos celulares em que foram entabuladas, o que não ocorreu, vez que os celulares não mais estavam com as partes ou as mensagens foram apagadas, algo corriqueiro, já que as pessoas adquirem aparelhos mais novos ou apagam as mensagens para não encher a memória.
A propósito, conversas entre Magistrados e Membros do Ministério Público acerca de andamento de processo é algo corriqueiro, mormente quando se trata de casos de grande complexidade. O que não pode ocorrer é combinação de como decidir ou de atuar quanto ao mérito do processo, o que, com o devido respeito daqueles que pensam o contrário, não me parece ter ocorrido.
Isso tudo me lembra o que ocorreu no começo dos anos 90 da Itália, na conhecida “Operação Mãos Limpas”. Nela, houve a prisão de quase três mil pessoas, dentre elas centenas de empresários e políticos, inclusive quatro que haviam sido primeiro-ministro. As acusações basicamente eram de pagamento de propina a altos funcionários públicos e políticos para que empresas vencessem licitações a assinassem contratos bilionários com empresas públicas.
Lá, como aqui, quase toda nação aplaudiu de pé as ações, que atingiram em cheio partidos políticos, seus integrantes e pessoas poderosas. Porém, tempos após, tudo voltou como era antes. Devido à enorme pressão exercida por “forças ocultas”, a equipe foi aos poucos sendo desfeita até desaparecer. Nos meses seguintes, foram aprovadas pelo parlamento italiano diversas leis com o claro propósito de proteger os parlamentares e dificultar a punição de agentes públicos corruptos e seus corruptores.
Chegou-se ao cúmulo de vários integrantes da operação serem acusados de abuso de autoridade e de corrupção.
Infelizmente, a semelhança com o que ocorre no Brasil é enorme. Perseguição desenfreada a Sérgio Moro, eleito Senador da República, e a alguns Procuradores da República que participaram da Operação Lava-jato, notadamente Deltan Dallagnol, que pediu exoneração do Ministério Público e se elegeu Deputado Federal e, no meu modo de ver, de forma injusta, teve o mandato cassado.
De heróis nacionais, os membros do Ministério Público e o ex-magistrado Sérgio Moro foram alvos de ataques de todos os lados, a maioria lastreada naquelas mensagens criminosamente obtidas e não autenticadas.
Observo que a grande maioria das sentenças condenatórias foi chancelada por três Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelos Ministros da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, que reanalisaram todas as provas produzidas, inclusive a do processo do famigerado “triplex do Guarujá”, do ex-presidente Lula, não vislumbrando nenhuma nulidade e tampouco suspeição de Moro (sobre a condenação de Lula, vide: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/afinal-lula-foi-mesmo-considerado-inocente/2190748855 ).
O que se vê no Brasil é total inversão de valores. Bandidos tratados como vítimas e agentes públicos que exerceram suas funções passam a ser os bandidos, algo até então inimaginável para a imensa maioria dos integrantes da sociedade.
Conspirações de todas as ordens foram meticulosidade planejadas e executadas para que a maior operação de combate à corrupção do país e uma das maiores do mundo desaparecesse, culminando com a soltura dos piores marginais que esse país já teve, responsáveis diretos pela miséria de boa parte de nossa população, já que o dinheiro desviado, bilhões de reais, que deveriam ser empregados em obras de infraestrutura, saúde, educação, dentre outras, foram parar nos bolsos de inescrupulosos agentes públicos, políticos e empresários, que, não tenho a menor dúvida, ainda contam com boa parte da propina e dinheiro público desviado cuidadosamente depositado em algum paraíso fiscal (sobre a operação Lava-jato, vide https://www.jusbrasil.com.br/artigos/operacao-lava-jato-modelo-a-ser-seguido/1762654733 ).
É revoltante ver que tudo o que foi feito nesses anos foi para o esgoto, sob os olhares condescendentes de quem isso não deveria permitir.
O sistema corrupto é muito forte e, quando bem alimentado, não morre, pelo contrário, espera o melhor momento para, como a fênix, ressurgir das cinzas.
Lamentavelmente, ao menos para os cidadãos de bem, voltamos ao sistema anterior. Basta ver que desde o fim da Lava-jato praticamente nada mais foi apurado, como se não houvesse crimes às pencas que foram cometidos e seriam fatalmente descobertos, já que sempre fatos novos apareciam e os procedimentos “davam cria”, surgindo outros que, por sua vez, iriam chegar a outros fatos desconhecidos em progressão geométrica, haja vista que crimes praticados e não apurados é o que não falta no Brasil.
Tristes dias para o direito, para a ética e para a moral no país em que o crime compensa e a ele combater pode render processo, execração pública, pagamento de indenizações e quiçá até mesmo cadeia.
Enfim, posso dizer nos meus mais de 32 anos de atuação no combate à criminalidade, ordinária e organizada, que o crime no Brasil compensa e muito, e não é preciso ser nenhum gênio para isso constatar. E os motivos estão aí, à vista de todos, para o delírio de poucos e tristeza de muitos, que sofrerão suas consequências.