A Deputada Federal Carla Zambelli poderá ser condenada a penas privativas de liberdade que ultrapassam a 15 anos de reclusão em regime inicial fechado, além de ter sido declarada a perda do seu mandato eletivo e a suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação, por crimes de porte ilegal de arma de fogo, constrangimento ilegal e invasão de dispositivo informático.
Aliás, já há maioria formada para essas condenações.
Não vou analisar a justiça e a correção das condenações, que não é o mote deste artigo.
Vou tratar tão somente dos efeitos das condenações quanto ao mandato eletivo da parlamentar.
A condenação do agente implica necessariamente no cumprimento de determinada pena ou a aplicação de medida de segurança, embora, nesse último caso, possamos ter uma sentença absolutória imprópria.
Ao lado do efeito principal da condenação, que é a aplicação da pena, surgem alguns efeitos secundários, que podem ter a natureza penal e extrapenal.
Como efeitos secundários da condenação de natureza penal, poderemos citar: a configuração da reincidência, desde que preenchidos seus requisitos; revogação obrigatória ou facultativa do “sursis” ou do livramento condicional, dentre vários outros efeitos.
Os efeitos secundários extrapenais da sentença condenatória podem ser: a) civis: que é o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I, do CP); o confisco (art. 91, II, do CP); e a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado (art. 92, II, do CP); b) administrativos: que é a perda do cargo ou função pública (art. 92, I, do CP) e a inabilitação para a condução de veículos (art. 92, III, do CP); c) político: que é a perda do mandato eletivo (art. 92, I, do CP).
Comentarei apenas o efeito secundário específico da condenação da perda do cargo ou do mandato eletivo, que nos interessa no caso.
Dispõe o art. 92, I, do Código Penal, que haverá a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo quando: a) aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.
A norma elenca duas situações em que dependendo do crime cometido e da espécie e quantidade da pena aplicada, o funcionário público poderá perder o cargo, a função pública ou o mandato eletivo. São elas:
1) aplicada ao funcionário público pena privativa de liberdade, por tempo igual ou superior a um ano, pela prática de crime funcional cometido com abuso de poder ou violação do dever funcional. Os crimes funcionais estão previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal e em outros dispositivos elencados no mesmo estatuto (exemplos: arts. 289, § 3º, 300 etc.);
2) aplicada ao funcionário público pena privativa de liberdade, por tempo superior a quatro anos, pela prática de qualquer crime comum.
Assim, v.g., se João, funcionário público, for condenado por concussão, delito funcional previsto no art. 316, caput, do CP, a pena de dois anos de reclusão, perderá seu cargo (art. 92, I, a, do CP). Do mesmo modo que André, funcionário público, for condenado por homicídio simples, crime comum previsto no art. 121, caput, do CP, a pena de seis anos de reclusão, igualmente haverá a perda do cargo (art. 92, I, b, do CP). Nesses casos, como se trata de efeito específico da condenação, deve ser motivadamente declarado na sentença condenatória (parágrafo único).
Anoto que o parlamentar é considerado funcionário público, nos termos do art. 327 do Código Penal.
E como fica a situação da deputada em razão do disposto no artigo 55 da Constituição Federal. Diz a norma:
“Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. […] § 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.”
Note-se que, no caso de condenação criminal, a norma diz que deverá haver a deliberação da Casa respectiva. Só que se a condenação implicar ausência, em cada sessão legislativa, da terça parte das sessões ordinárias, o que equivale a 120 ou mais faltas por ano, a Mesa da Casa respectiva, até mesmo de ofício, apenas declarará a perda do mandato.
Na hipótese em comento, como a pena excedeu em muito a 120 dias de prisão e foi fixado o regime inicial fechado, conforme decisão da própria Excelsa Corte, não haverá necessidade de ser submetida a declaração judicial da perda do mandato à Casa Legislativa, que apenas declarará que houve a perda sem poder dela discordar (STF, 1ª Turma, AP 694/MT, Rel. Min. Rosa Weber, j. em 2.5.2017).
Além do mais, um dos efeitos da condenação, que pode ser considerado genérico, isto é, automático e, por isso, independe de pronunciamento judicial, é o previsto no art. 15, III, da CF, que determina a suspensão dos direitos políticos da pessoa com condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Ressalto que, dentre outros, os crimes contra a administração pública em sentido amplo, previstos na Lei Complementar nº 64/1990 (Lei da Ficha Limpa), também são causa de inelegibilidade. A norma se refere a crimes funcionais, isto é, aqueles que somente podem ser cometidos por funcionário público, como peculato, corrupção, concussão etc. A finalidade da norma é afastar da vida política, por determinado prazo (oito anos), o funcionário público que abusa do cargo e pratica crime contra a administração pública. Não havendo relação entre o crime cometido com as funções públicas exercidas, isto é, agindo o condenado como particular, não é razoável ser considerado inelegível por esse fundamento.
Em suma, a parlamentar, após o trânsito em julgado do acórdão condenatório, perderá o mandato, como efeito secundário da condenação, sem a necessidade de declaração pela Mesa Diretora, posto que, além de permanecer com os direitos políticos suspensos enquanto cumpre a pena, ficará sem poder comparecer às sessões ordinárias por mais de 120 dias, o que também é causa de perda do mandato, cabendo à Mesa apenas declará-la, não havendo necessidade de deliberação em plenário.
Portanto, a única esperança da Deputada é que os processos sejam sustados pela Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 53, § 3º, da Constituição Federal, que pode ocorrer até a decisão final do Poder Judiciário, ou seja, até o trânsito em julgado do acórdão, ou até o término do seu mandato, desde que haja requerimento de partido político na Casa representado e os votos da maioria absoluta de seus membros, vez que os crimes foram cometidos já no exercício das funções parlamentares.
Enfim, bem complicada a situação política e jurídica da Deputada, que corre sério risco de, além de perder o mandato, cumprir pena privativa de liberdade em regime inicial fechado e ser obrigada a pagar indenização de dois milhões de reais, fixada a título de danos morais coletivos, sob pena de penhora de seus bens e valores que tenha consigo ou em instituição bancária.