Estamos cercados por gente, emojis, curtidas, mensagens. Mas será que temos mesmo com quem conversar?
Vivemos tempos em que estar online é quase tão natural quanto respirar. Com um toque no celular, acessamos o mundo, atravessamos continentes, entramos em casas de amigos (e desconhecidos), respondemos mensagens, publicamos o almoço e o pensamento do dia.
Nunca estivemos tão conectados.
E talvez… nunca estivemos tão sozinhos.
Parece contraditório, mas não é.
Esse é o retrato de uma era onde a solidão não é ausência de pessoas — é ausência de vínculo.
Se a solidão parecia um tema distante ou poético, hoje ela é pauta urgente na saúde pública. Segundo o Surgeon General dos Estados Unidos, o país enfrenta uma epidemia de solidão. Em um relatório de 2023, foi revelado que mais da metade dos adultos norte-americanos relatam sentimentos significativos de solidão frequente.
No Brasil, os números também são expressivos. Uma pesquisa do Instituto Cactus e Atlas Intel, feita em 2023, mostrou que 34% dos brasileiros se sentem solitários “frequentemente ou sempre”. Entre os jovens de 18 a 24 anos, esse número sobe para 44%.
É importante lembrar: solidão não é o mesmo que estar sozinho. Muita gente mora sozinha, viaja sozinha, almoça sozinha — e se sente plena. Solidão é o sentimento de desconexão, mesmo rodeado de gente. É a ausência sentida de intimidade, de pertencimento, de presença verdadeira.
As grandes cidades, cheias de gente e movimento, são muitas vezes o cenário perfeito para o vazio emocional. Os encontros são breves. Os sorrisos, automáticos. E com o tempo, a gente se acostuma a estar no meio de tudo — e, ao mesmo tempo, à margem de qualquer coisa significativa.
Nas ruas, nos metrôs, nas filas, nos aplicativos de entrega e nos elevadores, interagimos o tempo todo. Mas são interações curtas, funcionais, sem profundidade. E a gente vai se blindando: menos contato visual, menos conversa, menos troca real.
Aos poucos, criamos o hábito de evitar o outro. E com isso, perdemos também a chance de sermos vistos de verdade.
Redes sociais: solução ou parte do problema?
A promessa das redes sociais era maravilhosa: aproximar pessoas, criar comunidades, unir quem pensa parecido. Mas algo aconteceu no caminho. As plataformas cresceram, o conteúdo virou performance e a comparação virou regra.
Estudos mostram que quanto mais tempo passamos nas redes, maior pode ser o risco de nos sentirmos sozinhos — especialmente quando o uso é passivo, ou seja, quando só assistimos à vida dos outros, sem interação significativa.
A cada “story”, a cada feed perfeito, a cada conquista postada, cresce a sensação de que estamos “ficando para trás”. E pior: muitas vezes, tentamos aliviar essa angústia com mais redes sociais. É um ciclo.
A tal da “solidão de Schrödinger”
Tem um termo curioso que tem circulado nas conversas sobre solidão digital: solidão de Schrödinger. E apesar do nome difícil, ele explica bem o que sentimos hoje.
O conceito vem de uma ideia da física — o famoso “gato de Schrödinger” — que dizia, em resumo, que um gato dentro de uma caixa poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo, até que alguém abrisse a caixa e descobrisse.
Na vida digital, vivemos algo parecido: podemos estar cercados por mensagens, vídeos, curtidas, grupos… e ainda assim profundamente sozinhos. Ou seja, ao mesmo tempo em que estamos com os outros, também estamos sem ninguém de verdade. A gente pode estar socialmente “ativo”, mas emocionalmente isolado.
Essa é a solidão de Schrödinger: estamos sozinhos e acompanhados ao mesmo tempo. Só vamos saber o que é real quando alguém nos escuta de verdade, nos acolhe, nos olha nos olhos.
É um estado paradoxal, onde as redes sociais, ao mesmo tempo que aliviam, também aprofundam a sensação de isolamento.
É claro que nem tudo é negativo. As redes também conectam, salvam, unem. Muitos encontram apoio, informação, comunidades e até amizades reais através delas. Não se trata de culpar a tecnologia — mas de olhar com mais consciência para o nosso modo de usar.
A verdade é que não sabemos mais estar sozinhos sem a companhia de uma tela.
E, talvez, não saibamos mais estar com o outro sem distração.
A hiperconexão está nos levando para um novo tipo de solitude: a solidão acompanhada. Aquela onde temos “gente” por todos os lados, mas seguimos nos sentindo invisíveis.
A solidão e o corpo
A solidão não é só emocional. Ela também é física.
Pesquisas mostram que pessoas cronicamente solitárias têm maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, depressão, ansiedade e até Alzheimer. O organismo entende a solidão como ameaça, e reage com estresse prolongado.
Um estudo publicado no Journal of the American Heart Association em 2022 revelou que adultos socialmente isolados têm 40% mais risco de desenvolver doenças cardíacas e 50% mais risco de morte precoce. A solidão, ao que tudo indica, pode ser tão nociva quanto fumar 15 cigarros por dia.
É como se o corpo, privado de vínculo, entrasse em modo de sobrevivência contínua. E isso, com o tempo, adoece.
Quando ser solitário é bom?
Existe um tipo de solidão que é preciosa: a solidão escolhida. Momentos de pausa, reflexão, autocuidado. Estar só com a própria presença, sem se sentir abandonado por ninguém. Essa solidão pode curar.
É importante fazer essa distinção: nem todo “estar só” é sofrimento.
Às vezes, o que mais precisamos é de silêncio, de espaço, de colo interno.
Mas quando estar sozinho se torna insuportável, angustiante e constante — aí sim é hora de acender o alerta. Porque o corpo e a alma estão pedindo companhia de verdade.
O que podemos fazer?
Não existe uma fórmula pronta, mas alguns caminhos são possíveis:
1. Redes sociais com consciência: limite o tempo, filtre o conteúdo, conecte-se com quem realmente importa.
2. Presença no mundo real: participe de grupos, eventos, cafés, caminhadas. Cultive o olho no olho.
3. Escuta interna: pratique o silêncio, medite, escreva. Entenda suas emoções e o que te faz sentir sozinho.
4. Peça ajuda quando necessário: terapia não é sinal de fraqueza, é sinal de coragem.
5. Valorize os pequenos vínculos: uma conversa com o vizinho, um bom dia sincero, um tempo com quem te quer bem.
A era digital é, acima de tudo, um tempo de transição. Estamos reaprendendo o que é estar junto, o que é estar só, o que é presença verdadeira. E isso leva tempo.
A solidão talvez nunca desapareça completamente — ela é humana, faz parte da vida. Mas podemos aprender a sentir menos abandono e mais pertencimento.
Não basta estar conectado. É preciso estar junto. De verdade.