Existe uma perversidade disfarçada de elogio. A frase “você é tão forte” não é reconhecimento. É uma sentença disfarçada de admiração. Uma ordem silenciosa: “Continue se matando sem reclamar.” É assim que se romantiza a força. É assim que se adoecem almas.
Na dinâmica social do trabalho esse teatro onde egos frágeis e neuroses se mascaram de produtividade o sujeito sobrecarregado ocupa um lugar inquietante. Ele é o pilar invisível que sustenta a incompetência coletiva. O bode expiatório da eficiência. A mãe simbólica do escritório: provê, antecipa, acolhe, se culpa quando falha.
Enquanto isso, o folgado a sombra do sobrecarregado flutua no ambiente, anestesiado pela ideia de que merece descanso eterno simplesmente por existir. Ele sobrevive porque sabe que o outro vai cair primeiro.
A pergunta psicanalítica é inevitável: por que o sobrecarregado aceita esse lugar?
Porque precisa. Porque, no fundo, há prazer nesse sofrimento. Um gozo silencioso em ser insubstituível. Um eco da infância: “só sou amado se der conta de tudo”. A força, nesse caso, não é virtude é sintoma.
E pior: é um sintoma que nos transforma em máquinas. Robôs programados para entregar, funcionar, sorrir, mesmo quando tudo dentro grita por socorro. Quem vive no automático esquece que está vivo até quebrar de vez.
O corpo avisa. A mente implora. Você está ouvindo?
Sinais como insônia crônica, irritação sem motivo, crises de ansiedade, fadiga física constante, dores inexplicáveis, lapsos de memória, sensação de vazio e aquela vontade súbita de sumir todos esses são alarmes. Sinais de que algo em você está implorando para parar.
Mas a cultura do excesso ensina: “segura firme”, “não fraqueje”, “ser forte é bonito”. Mentira. Ser forte o tempo todo é o caminho mais curto para o colapso. Para o esgotamento. Para o burnout que corrói a alma antes mesmo de afetar o corpo.
O Brasil é um dos países com mais casos de burnout no mundo. Ainda assim, celebramos a exaustão como se fosse troféu. A pausa virou vergonha. Respirar virou culpa. E resistir, em vez de virtude, virou autoaniquilação.
Vamos parar de romantizar sofrimento. Vamos parar de fingir que aguentar tudo é ser forte. Isso não fortalece ninguém adoece. E, mais cedo ou mais tarde, destrói.
Não é ser forte o tempo todo que vai te salvar. É saber parar. É entender que autocuidado não é egoísmo, é sobrevivência. Que dizer “não” é respeitar a vida que pulsa em você.
Autocuidado não precisa ser grandioso. Às vezes, é levantar do sofá e sentir o vento no rosto. É comer aquela comida que aquece a alma. Ligar para aquela amiga que te entende no olhar. É deixar o celular de lado e se perder em um livro. É chorar sem pedir desculpas. É acolher a própria dor sem precisar explicá-la a ninguém.
A verdade é dura: ninguém vai te resgatar.
O resgate começa dentro de você.
Você pode ser seu maior apoio ou seu pior algoz. E, no fim do dia, quando o barulho do mundo diminui, a única companhia garantida que você tem é você mesmo.
Então, cuide. Se acolha. Permaneça.
Porque a vida não é sobre sobreviver entregando tudo aos outros. A vida é sobre se permitir viver inteiro.
Nós temos o hábito de parar apenas quando vamos a um velório de um ente querido, quando ficamos hospitalizados ou quando alguém que amamos muito adoece gravemente.
Mas por que não podemos parar antes? Por nós próprios? Por nossa saúde mental e física?
O que está acontecendo conosco que aceitamos nos transformar em máquinas?
Você está vivendo? Ou está apenas existindo para pagar boletos?
Viver como máquinas cobra um preço alto: o esgotamento emocional, a perda do sentido de viver, o enfraquecimento dos laços afetivos, a morte silenciosa da nossa criatividade e da nossa alegria genuína. Aos poucos, vamos matando aquilo que nos torna humanos.
Ou você escolhe parar agora, ou seu corpo vai parar por você e quando isso acontecer, não será uma pausa. Será o colapso da sua alma, um grito silencioso que ninguém vai ouvir. A escolha é sua… porque os boletos, as dívidas, as expectativas dos outros nunca vão cessar. Mas o que é seu, o que é vital, você pode perder se continuar ignorando.
A cama do hospital? Ninguém vai deitar com você. A UTI? Você vai sozinho. E no caixão, você também vai sozinho. Então, por que esperar até o último momento? Por que não parar agora? Por que não dar uma pausa, tirar umas férias, desligar-se do automático e finalmente viver para você?
Faça uma loucura, que talvez seja a coisa mais sensata que você já fez: viva por você. O resto, com todo o respeito, pode esperar.”
Não é sustentável. Não é saudável. Não é vida.
Ainda dá tempo de parar. De se resgatar. De voltar a ser gente antes que seja tarde.