A falta de sintonia de alguns ministros do STF com a realidade parece não ter limite.
O ministro Edson Fachin votou pela inconstitucionalidade, em qualquer hipótese, da chamada “revista íntima” nas unidades prisionais, mostrando, novamente, desconhecimento de como normas constitucionais devem ser interpretadas, principalmente quanto à inexistência de direitos absolutos. Nem mesmo o direito à vida é absoluto, podendo ser violado em algumas hipóteses, como o estado de necessidade e a legítima defesa, quanto mais o direito à intimidade, que perde espaço para outros direitos de superior valia, como a segurança e a vida dos funcionários ou mesmo presos de uma unidade prisional. Propôs, assim, o DD ministro que o plenário da Corte fixe a seguinte tese: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos” (ARE 959620/RS). Tal voto foi acompanhado por alguns ministros da Corte.
Foi aberta divergência pelo ministro Alexandre de Moraes, que reconhecia parcialmente a inconstitucionalidade, sugerindo a seguinte tese: “A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos, nas hipóteses de exames invasivos”. “O excesso ou abuso na realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita”.
Ocorre que foi pedido destaque e o julgamento foi retomado no plenário físico, mantendo cada um dos dois ministros o seu voto proferido no plenário virtual.
O julgamento será retomado no próximo dia 12 de fevereiro.
Em poucas palavras, vou explicar a incorreção do voto do relator.
O preso não perde o contato com o mundo exterior, que é apenas restringido.
O contato com os familiares deve ser preservado e estimulado, como, aliás, previsto nas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso: “Será prestada especial atenção à manutenção e melhora das relações entre o preso e sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos” (Regra 79).
Assim, é direito do preso manter esse contato, seja com amigos ou com familiares.
No entanto, tal direito não é absoluto, até porque todo direito, por mais importante que seja, é relativo. Para a preservação da segurança da unidade prisional as visitas são realizadas em dias e horários certos e tomadas as medidas necessárias para que sejam obstadas as entradas de objetos proibidos, como armas, celulares, drogas, dentre outros.
Para impedir o indevido acesso desses objetos é necessária a realização de revistas, que não podem invadir a esfera de intimidade dos visitantes. Com efeito, a prática usualmente adotada de o visitante ser obrigado a despir-se e agachar-se para verificar se não está escondendo algum objeto afronta o direito à intimidade e a própria dignidade humana, sendo ato vexatório e abusivo.
Contudo, não havendo outros meios adequados para que sejam interceptados objetos ilícitos ou proibidos, tem-se admitido a revista íntima no interesse da segurança do estabelecimento penal, uma vez que não existem direitos absolutos e a intimidade da pessoa não pode servir de escudo para a prática de ilícitos.
A revista íntima encontra fundamento legal nos artigos 240 e 244 do Código de Processo Penal, que regulam a busca pessoal (revista) e não diferenciam a superficial da minuciosa. Também é fundamento para a revista íntima o disposto no art. 144, caput, da Constituição Federal, que diz ser dever do Estado a preservação da segurança, que igualmente é de responsabilidade de todos.
Com efeito, não havendo scanner corporal ou outra forma de impedir a introdução de objetos proibidos na unidade prisional, como drogas, celulares ou mesmo armas de fogo, aplicado o princípio da proporcionalidade, é possível a revista íntima ou a proibição da entrada no estabelecimento penal de quem se negar à sua realização.
Resumidamente, na ausência de scanner corporal ou outro instrumento similar só será permitida a visita daquele(a) que consentir com a revista pessoal íntima; do contrário, no interesse da segurança da unidade prisional, nela o visitante não poderá ingressar.
Do mesmo modo, não sendo possível apurar o delito de outro modo e para que não seja incentivado o tráfico de drogas e o ingresso de outros instrumentos proibidos nas unidades prisionais que não possuam scanner corporal ou outro instrumento similar e adequado, a prova produzida nessas hipóteses deverá ser admitida, não sendo, portanto, ilícita.
Alguns ministros ainda não perceberam que moram no Brasil e não em algum país desenvolvido em que a criminalidade é mínima e que é possível a aquisição de caros instrumentos que possam substituir as revistas íntimas sem que implique óbice para a aquisição de outros produtos tão ou mais importantes, como medicamentos e mesmo alimentos para a população mais carente.
Novamente, a criminalidade agradece a cortesia.