É verdade que a esquerda tomou a iniciativa e em só 3 dias houve a mobilização que resultou no histórico acontecimento do domingo (21.set.2025). Mas as pessoas que foram às ruas não foram apenas da esquerda. Essa foi uma importante novidade. Além da militância esquerdista, muito mais gente finalmente resolveu sair da toca porque se considera absolutamente não representada pelos encaminhamentos que o Congresso vem dando a alguns assuntos sérios.
Especialmente 2 deles: a concessão da anistia a golpistas e a chamada PEC da Blindagem ou PEC da Bandidagem, que pretende transformar os congressistas em verdadeiros deuses totalmente intocáveis pelos mortais do sistema de justiça. Está se propondo, como se sabe, que se institua a necessidade de autorização legislativa para a responsabilização criminal dos congressistas, algo que há décadas não temos no Brasil e que vigorou no tempo da ditadura.
Também é verdade, como se sabe, que essa PEC implica em violações de cláusulas pétreas da Constituição, ou seja, do seu núcleo irreformável. Refiro-me ao princípio da separação dos Poderes bem como da isonomia. Além disso, a anistia igualmente viola o artigo 5º, inciso 44 da Carta, outra cláusula pétrea.
Isso sem esquecer a inacreditável proposta de estender o manto sagrado do foro privilegiado aos irmãos presidentes de partidos, mesmo sem exercerem qualquer função pública. Do alto de seus coronelatos, controlam bilhões dos fundos partidário e eleitoral sem transparência, sem compromisso com políticas de integridade e sem alternância no poder. É absolutamente inominável essa proposição à luz dos valores republicanos e democráticos.
Estamos falando então de torpes iniciativas do Congresso afrontosas a regras importantes. Falamos de proposições que, se aprovadas, abalariam o próprio Estado de Direito, e, por isso, absolutamente inaceitáveis. O STF reconheceria a inconstitucionalidade de tudo isso, obviamente, mas não precisamos chegar a isso. Esperamos que o Senado cumpra seu papel.
É importante frisar que a sociedade foi às ruas em todo o país, os artistas, a sociedade civil organizada, e quem quis participar, participou, e quem quis usar a camiseta amarela da seleção usou, como maneira de resistir à ideia canhestra de captura dessa vestimenta pelo bolsonarismo, que vem tentando se apropriar das cores e desse nosso símbolo, afirmando-se patriota. De forma paradoxal, esses mesmos ostentaram a bandeira dos Estados Unidos no feriado da Independência. No último domingo, foi vista de forma intensa a bandeira nacional como símbolo relevante da manifestação.
Mas é justo lembrar que mesmo a esquerda tendo tido a iniciativa do ato, o governo não se posicionou de forma firme contra a PEC da Blindagem quando da votação. Alguns dirão que isso pode decorrer das dificuldades da governabilidade. Mas a verdade é que em certos momentos críticos é necessário escolher um lado e preservar sua história e identidade política e a bancada petista foi liberada para votar livremente, tanto que doze deputados votaram a favor. Da mesma maneira, em campanha Lula combateu o orçamento secreto, mas no exercício do poder, neste 3º mandato, a prática está viva e forte, como se sabe.
A novidade de domingo, além da relevante demonstração de vitalidade da cidadania e do poder de mobilização da esquerda foram as manifestações enfáticas de quadros políticos deste segmento se manifestando de forma incisiva contra a PEC da Blindagem, o que poderia criar a falsa percepção de que a agenda anticorrupção passaria a ter relevância novamente para a esquerda, não obstante não ter sido até agora priorizada pelo presidente.
A meu ver, houve a correta percepção de que esses temas incomodaram bastante à sociedade e que endossar essa aprovação teria um alto custo político. Mas isso não significa uma metamorfose total e absoluta e um reposicionamento em relação ao tema. Se assim fosse, Lula deveria, por exemplo, vetar o PLP 192 de 2023 de Dani Cunha, que pretende destroçar a Lei da Ficha Limpa. Mas a verdade é que Lula sequer deu abertura para ouvir os argumentos da sociedade em relação aos argumentos em favor do veto.
Isso nos leva a crer que esse processo agudo de degradação do sistema de controle, de leis anticorrupção, essa ligação incestuosa que une governistas e oposicionistas, Executivo e Legislativo, que vem ocorrendo nos últimos 10 anos, desde que começaram a eclodir casos importantes de combate à corrupção, infelizmente deve prosseguir. Não é plausível qualquer ilusão em razão de uma fala ali ou outra acolá contra a PEC da Blindagem.
É necessário saber observar toda a floresta, e não apenas uma única árvore. Nos últimos anos, aprovou-se uma nova lei de abuso de autoridade com nítido propósito de vingança contra magistrados e integrantes do Ministério Público. Desmontou-se a lei de improbidade administrativa em outubro de 2021, além de terem sido concedidas 4 mega anistias bilionárias aos partidos políticos. A última proeza é o esmagamento da Lei da Ficha Limpa.
No caso da PEC da Blindagem, os deputados federais exageraram na dose, na busca desenfreada pelo poder sem controle, por transformar o Congresso em um território sagrado da impunidade, auto equiparando-se a verdadeiros deuses intocáveis, acima do bem e do mal, acima de todos os pobres mortais. E aí os brasileiros resolveram gritar nesse histórico 21 de setembro de 2025.
Leia mais no texto original, minha coluna semanal no Poder360: (https://www.poder360.com.br/opiniao/21-de-setembro-entra-para-a-historia/)