Entre o rótulo e o pensamento crítico.
Em tempos de radicalização crescente, o debate público tem sido sequestrado por paixões ideológicas desmedidas e por uma mediocridade cognitiva que relega o bom senso à margem do discurso. Onde deveria haver reflexão, viceja a intolerância. Onde deveria florescer o argumento, prolifera a agressão.
É cada vez mais comum, especialmente nas redes sociais e ambientes polarizados, que as posições políticas sejam reduzidas a caricaturas. De um lado, os que apoiam o governo são tachados de “esquerdistas, petistas”; de outro, os que se opõem a ele são rotulados de “extremistas de direita, bolsonaristas”. Esses rótulos, longe de expressarem qualquer análise crítica, funcionam como munição verbal para desqualificar o interlocutor antes mesmo que ele articule uma ideia.
Basta iniciar uma discussão, seja ela política, social, econômica ou cultural, para que alguém, incapaz de formular um argumento minimamente consistente, recorra a um rótulo simplista. Assim, a polarização ideológica é imposta como único filtro interpretativo da realidade.
Essa reação automática vai além da preguiça intelectual, revela uma sociedade adoecida por narrativas binárias, em que o pensamento crítico é substituído por slogans e palavras de ordem. Em vez de buscar compreender, prefere-se o conforto da militância cega, onde qualquer voz dissonante é imediatamente enquadrada, de
um lado ou de outro.
Mais do que rivalidade política, isso expõe a falência da capacidade argumentativa de muitos que se pretendem atores do debate nacional. O uso banal desses epítetos é um atestado de empobrecimento intelectual, sinal de que, em vez de ideias, restaram apenas instintos.
Prova dessa estultice política foi a grotesca comemoração, por parte de alguns brasileiros, do recente assassinato do ativista conservador estadunidense Charlie Kirk, o que revela a plena desumanização dos pútridos convivas. Embriagados pelo ódio ideológico, vêm nas ações extremistas e despudoradas a base de seus valores pessoais e a justificativa para os seus conceitos espirituais.
A polarização binária opera como uma prisão mental, quem não se encaixa em uma das extremidades é hostilizado por ambas. Esse estado de beligerância permanente, alimentado por dissonâncias cognitivas e por lideranças oportunistas, empurra a nação para um labirinto de irracionalidade, onde o diálogo morre e o fanatismo prolifera.
É urgente romper com essa dicotomia burlesca. O Brasil não se resume a duas siglas nem a duas figuras. Enquanto persistirmos nessa lógica maniqueísta, permaneceremos reféns do absurdo e cada vez mais distantes de um projeto coletivo verdadeiramente democrático, plural e inteligente. Romper essa lógica exige coragem, coragem para ouvir e sobriedade para pensar, dialogar e, sobretudo, para reconhecer no outro não um inimigo, mas um cidadão com quem se constrói o futuro.