A Lei do Inquilinato sofreu alterações em 2012, dentre elas a inclusão do artigo
54-A e respectivos parágrafos. O parágrafo segundo do referido artigo estabelece que
na locação para fins comerciais “na qual o locador procede à prévia aquisição,
construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então
especificado” a penalidade aplicável na hipótese de rescisão antecipada pelo inquilino
não poderá ultrapassar “a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da
locação”. No mercado, as locações desse tipo são conhecidas pela sigla “BTS”, oriunda
da expressão em inglês “built to suit”.
O objetivo principal da disposição acima é incentivar a realização de negócios
imobiliários, através da proteção dos investimentos efetuados pelos proprietários e
afins de imóveis urbanos.
Muito embora a intenção seja louvável, se interpretada literalmente e sem a
devida análise do caso concreto, a normal legal em pauta poderá gerar distorções.
Do ponto de vista dos locatários, entenda-se as empresas que exploram
imóveis por meio de arrendamentos, nem sempre os planos ocorrem como o previsto.
Ou seja, pode acontecer de um restaurante não conseguir formar a sua clientela, uma
loja sofrer com baixo faturamento no local ou um centro de distribuição precisar ser
desativado pela ausência de demanda.
Nessa linha, caso por extrema necessidade o locatário for obrigado a rescindir o
contrato de locação, restará ao locador cobrar a multa competente. Ocorre que, a
depender do valor do aluguel e do prazo de vigência a vencer, a penalidade poderá ser
manifestamente proibitiva, no sentido de ser impossível de ser cumprida e ter a
capacidade de acarretar na “falência” da companhia inquilina. Imagine, por exemplo,
um aluguel de R$ 100.000,00 e um termo de 10 anos ainda a ser respeitado, neste
caso a multa ficaria no patamar elevadíssimo de R$ 12.000.000,00, partindo-se que o
seu valor foi determinado em contrato de acordo com o teto legal.
Por outro lado, é possível conceber situações de desequilíbrio em favor do
locador. Considerando o exemplo acima e supondo que o locador dispendeu
R$ 10.000.000,00 na aquisição ou reforma do imóvel, o valor da multa se mostraria
excessiva. A título de referência, a jurisprudência dominante estabelece que a multa
em contrato de locação não deve extrapolar 03 aluguéis proporcionais ao período de
ocupação. Ou seja, no exemplo colocado, o locador receberia a quantia investida, mais
o equivalente a 20 locativos.
Vale lembrar que o artigo 413 do Código Civil prevê a possibilidade de o juiz
determinar a redução de multa, equitativamente, nas situações em que “a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
O TJ/SP já se pronunciou sob o entendimento de ser cabível a diminuição da
penalidade estabelecida em contrato de locação da modalidade “BTS” – vide apelação
nº 1020899-95.2020.8.26.0100, j. 13/02/2025, 26ª Câmara de Direito Privado. De
outro lado, constam decisões que inadmitem a revisão da multa, independentemente
do contexto – vide apelação nª 1011093-55.2019.8.26.0008, j. 04/11/2020, 28ª
Câmara de Direito Privado do TJ/SP.
Importante destacar que, ao cabo, a fixação de multas em níveis calibrados
estimulará as empresas a desenvolverem os seus negócios por intermédio dos
contratos de locação do tipo “built to suit”, o que refletirá positivamente em favor dos
proprietários de imóveis e da economia como um todo.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo
Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de
contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de
colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site “Central do Varejo” e
do Portal “Sua Franquia”. Coordenador da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais
da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Membro da Comissão de Franquias da
OAB/SP. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito
da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de
Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.