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Lula e Trump: retórica para as bases, pragmatismo para a economia – por Walter Ciglioni

O aperto de mão entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, nos corredores da Assembleia-Geral da ONU, foi descrito como uma surpresa diplomática, mas, na realidade, era apenas questão de tempo. O gesto ilustra uma verdade permanente: a política internacional vive da retórica para as bases eleitorais, mas sobrevive do pragmatismo imposto pela economia e pela história de mais de um século de relações entre Brasil e Estados Unidos.

Na tribuna, Lula condenou sanções unilaterais e defendeu a independência das instituições brasileiras, com firmeza e aplausos. Trump, em seguida, atacou países aliados, acusou distorções comerciais e reafirmou a legitimidade de impor tarifas. O Washington Post destacou sua fala agressiva, enquanto a Reuters relatou que, minutos depois, os dois se encontraram na antessala da ONU, trocaram elogios e acertaram abrir um canal de diálogo. Trump disse que ambos tiveram “química excelente” e que pretende se reunir com Lula em breve — um encontro que já está sendo negociado pelas diplomacias.

A imprensa internacional notou o contraste. O Guardian registrou que Lula aproveitou o púlpito para defender a democracia diante de forças autoritárias. A Bloomberg destacou que seu discurso parecia preparado para o embate com Trump, mas que havia abertura para negociação. Poucos dias antes, como lembrou o Político, Washington havia ampliado sanções contra autoridades brasileiras, elevando a tensão bilateral. Ainda assim, a disposição de ambos para uma reunião mostra que a retórica dura tem prazo de validade.

E é natural que tenha. Em 2024, o comércio entre Brasil e Estados Unidos movimentou US$ 127,6 bilhões. Os EUA exportaram US$ 49,1 bilhões em bens ao Brasil e importaram US$ 42,3 bilhões, além de um superávit expressivo em serviços — US$ 29,6 bilhões contra US$ 6,5 bilhões. Para o Brasil, os EUA seguem entre os três principais destinos de exportações e representam quase 2% do PIB nacional. São números que falam mais alto que qualquer antagonismo ideológico.

É justamente por isso que a reunião proposta entre Lula e Trump, prevista para os próximos dias, ganha peso político e econômico. No centro da pauta, estarão temas inevitáveis: a revisão das tarifas impostas por Washington a produtos brasileiros, como aço e autopeças; a abertura do mercado americano a commodities agrícolas brasileiras, como carne bovina, soja e café; a cooperação em áreas estratégicas como transição energética, biocombustíveis e hidrogênio verde; a regulação das plataformas digitais, bandeira defendida por Lula e criticada por Trump; além de segurança hemisférica, combate ao crime organizado e fluxo de investimentos bilaterais.

Esse cardápio não é novo: reflete a longa história de interdependência entre os dois países. Brasil e Estados Unidos mantêm relações diplomáticas e comerciais formais há mais de 100 anos. Foram aliados militares na Segunda Guerra, parceiros durante a Guerra Fria, signatários de acordos de cooperação científica e tecnológica, além de protagonistas nas negociações comerciais hemisféricas. Mesmo em momentos de tensão, como nos anos de ditadura ou em crises tarifárias recentes, a relação resistiu, sustentada pelo pragmatismo.

O gesto em Nova York, portanto, não deve ser lido como contradição, mas como continuidade dessa tradição. Lula preserva seu discurso firme perante a comunidade internacional e sua base política, mas mantém aberta a porta da diplomacia. Trump sustenta sua retórica beligerante, mas reconhece que a economia impõe limites claros ao isolamento. O encontro que se desenha nas próximas semanas é apenas a reafirmação de que, para além dos discursos, prevalece sempre a lógica do interesse mútuo.

No fim, a aproximação entre Lula e Trump mostra que, em política, o inevitável sempre acontece. A retórica serve para as bases; a economia serve para os estadistas. E é nesse espaço, entre as palavras e os números, que se constrói a diplomacia real.

Walter Ciglioni
Jornalista jurídico e político.
Membro das Comissões da OAB-SP (Política Criminal e Penitenciária, Direito Tributário, Direito Internacional e Direito Constitucional).
Foi candidato ao Governo do Estado de São Paulo em 2014.

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