Ao longo de muitas décadas nunca trabalhei em nada que não fosse em redação e apuração de informação. O ofício da escrita ( sem ser gênio) começou nos meus primeiros anos do curso secundário, quando criei e fui redator do jornalzinho do curso ginasial numa escola pública. Sempre me inclinei, intuitivamente, para a redação. Já adulto paguei meus estudos com recursos vindos das minhas escritas – notícias para revistas, jornais, emissoras de rádio e televisão. Trabalhei ao lado de nomes que entraram para a história do jornalismo brasileiro. Conheci jornalistas geniais e outros nem tanto, mas valeu muito como escola. Sempre fui enxerido e curioso, mas respeitado. Não considerava folgas em feriados e datas especiais, que em qualquer outra profissão são datas aguardadas com entusiasmo – meu prazer era estar pronto para qualquer cobertura jornalística, sob chuva, sol, entrevero político ou policial. Anos mais tarde, mesmo sendo bacharel em Direito e com curso de Administração de Empresas, a redação não me abandonou; pelo contrário – se fixou em mim e cedi amorosamente ao jornalismo. Graças a essa profissão conheci pessoas, boa parte do mundo, realizei reportagens, comentei casos em emissoras de rádio e escrevi artigos que me deram orgulho ( e alguns até dor de cabeça). Certa vez, após quase duas décadas trabalhando para a Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão fiz uma visita à redação da Rádio Bandeirantes e lá encontrei poucos amigos contemporâneos. A grande maioria era jovem começando na profissão, provavelmente com o mesmo entusiasmo do meu tempo. Levei um baque quando um dos jovens da redação se dirigiu a mim, em plena redação e disse: “Você é o Rossini? Que prazer em conhecer Você!” Foi naquele momento que me dei conta das voltas sucessivas que a roda do tempo dá, sem pedir licença.
Esse mesmo giro implacável do tempo me fez perceber que ele estava contribuindo para o meu futuro. Fundei uma editora. Continuei escrevendo. Durante esses anos todos já são mais de 40 livros publicados. Desses, uns 10 foram escritos e assinados por mim. São perfis e relatórios empresariais e, de forma destacada, biografias. As biografias, não as autobiografias, que são escritas e assinadas pelos seus atores e autores. Quando sou convidado para esse trabalho de produzir biografia sob encomenda (on demand), o primeiro passo é a realização de um projeto editorial, envolvendo fatores indispensáveis de balizamento como as fontes diretas, que partem de informações do próprio biografado e as fontes indiretas, que são pesquisas e informações colhidas junto a amigos e pessoas que possam falar do biografado. Aparentemente é um trabalho burocrático, mas de valor inestimável para a realização de um bom trabalho literário. Nessa caminhada, bem antes de me sentar para produzir os textos fiz uma descoberta fabulosa. O biografado, num primeiro momento, quer se ressignificar, buscar no seu baú de recordações, momentos bons e ruins, que o levaram até aquela quadra da vida, mas não sabe como começar. Não raro, quando se agenda as primeiras sessões para se obter informações, gravando ou anotando em papel, o biografado vagueia. Provoca uma reviravolta na sua memória de forma claudicante, mas à medida que as sinapses cerebrais se ajustam, começa a jorrar como cascata, informações, dados e momentos que estão guardados nos escaninhos da mente. Esse é um momento de resgate da uma vida toda. Há momentos que o biografado mareja seus olhos e sua voz muda de tom tal é a carga emocional. Para quem escreve biografia a sensação que se tem é que, em alguns instantes, o escritor-entrevistador se torna psicólogo – parece uma sessão de terapia. O bom mesmo é não perder o foco e visão da investigação. Vale a pena. Vale muito a pena. Quando se supera todas as fases de captação de informações e cruzamentos de dados e o material coletado se transforma em livro, parece que o mundo muda de lugar. A emoção mais forte ainda se concretiza quando o biografado se senta para autografar seu livro. Sua fisionomia se transfigura. Parece que volta no tempo para dizer: “Estou aqui”. Para o biógrafo a sensação é de quem contribuiu para que o legado de mais uma vida não desaparece. Todos nós temos a nossa história.
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Antoninho Rossini é escritor e jornalista