Haveria uma alma ou não? Pergunta crucial formulada por Platão que entendeu de sua existência e de reencarnação, quando da morte do corpo. A doutrina foi utilizada por Agostinho, que ignorou tal detalhe e foi encampada pelos espiritualistas.
Haveria uma disponibilidade com a vida? Seria apenas dada e retirada pelo criador ou cabe aos humanos, diante de determinadas situações, permitir o abreviar de vida difícil? Somos ou não donos de nós mesmos? Se temos o livre arbítrio, tão decantado por Tomás de Aquino e Descartes, não nos caberia antecipar a vida quando quiséssemos? O suicídio seria uma boa solução para os sofredores, depressivos e insanos?
Eutanásia significa o ato intencional de propiciar uma morte indolor para abreviar o sofrimento de alguém.
Você deve estar se indagando dos motivos de tantas e tão difíceis questões. Ora, se vamos enfrentar um tema como a eutanásia, tais problemas se colocam, fatalmente. Não pretendemos dar resposta a cada qual. No entanto, é bom sabermos que há os que crêem numa alma e os que não acreditam em sua existência.
A pergunta crucial é a seguinte: há direito a uma morte digna? Desde já afirme-se que há o direito a um final indolor e devemos rechaçar todos os tratamentos que busquem apenas manter a vida biológica, impondo sacrifícios desnecessários aos pacientes e suas famílias.
Se alguém está infetado por moléstia terminal e supressora dos elementos vitais, deve ter direito a optar por fim a sua vida. Evidente está que a medicina vem se aprimorando e buscando cada vez mais prolongar a vida das pessoas. A ciência caminha solidamente para tais fins. No entanto, o que se discute é: quer o paciente prolongar seu sofrimento ou apenas existir como vegetal?
Sabidamente, o suicídio não é um crime. Incitar a que se o pratique tem definição penal. O suicídio é uma decisão personalíssima e dramática destinada a pôr fim à vida por ato próprio.
Em relação à eutanásia temos a ativa, isto é, a consistente em cooperar com atos necessários para a morte de outro, por pedido inequívoco deste e a passiva, qual seja, a decorrente de omissão dos que poderiam manter a vida de forma artificial.
Para os que creem, efetivamente, em vida após a morte, tanto faz como fez que haja ou não eutanásia. Para os que acreditam em vida transcendente, haverá a soltura da alma, tão logo haja a morte do corpo e ela irá purgar seus pecados ou usufruir do paraíso. De qualquer maneira, se entendemos a vida como um bem divino, apenas o criador é que poderá retirá-la. Daí, seria descabido falarmos em eutanásia, por qualquer caminho.
De outro lado, parece ser mais racional que as pessoas possam, da mesma forma como puderam escolher os destinos que teve na vida, fazer o mesmo quando na situação extrema.
Os que não vislumbram uma nova vida futura, seja na eternidade, seja na reencarnação de novo corpo, a decisão lhes é indiferente.
De qualquer maneira, o que devemos buscar e este é um dos apanágios de todos os viventes, é que vivamos uma vida feliz. A felicidade tem sido descrita por todos como o objetivo maior do ser humano. Ninguém gosta da dor. A busca do prazer é a finalidade. Se é assim, não há por que fazer com que as pessoas prossigam vivendo em condições lastimáveis e precárias. A manutenção da vida meramente vegetativa ou à custa de aparelhos médicos em nada dignifica o homem.
Há também um conflito jurídico. De quem é a vida? A quem ela pertence? O Estado deve garantir a vida por todos os meios. Ou ela é de livre decisão de cada qual? Tem o Estado direito de intervir na intimidade das pessoas para obrigá-las a viver, ainda que não queiram?
Parece que o Estado tem que cuidar da sociedade como um todo. Da segurança, saúde, educação, transporte, infraestrutura urbana. O mais é de escolha dos particulares. O fumar, por exemplo, o beber são decisões que cabe ao indivíduo, não ao Estado. A escolha das profissões, o estudo, os concursos, a escolha de caminhos na família e na sociedade, são todas decisões pessoais.
Nem por outro motivo é que Sartre disse que “somos condenados a ser livres”. Liberdade impõe escolhas. Inclusive a responsabilidade de escolhermos o que fazer com nossa vida.
Nem pode prevalecer a vontade religiosa de obrigar o indivíduo a se manter vivo apesar de tudo. A própria religião é uma liberdade de escolha. Religião é questão de fé e não se sobrevivência.
Teríamos, então, uma opção: se não nos cabe a eutanásia, seria o suicídio a alternativa?
Entendo, independentemente de filiação a crer ou não em vida sempre eterna, que é absurdo manter a vida meramente vegetativa, por competência médica ou por insistência da família. Tirante o aspecto poético de Camões (“alma minha gentil que te partistes”) que busca a subsistência do amor pós vida, não há por que não manter a dignidade do vivo que quer morrer.
REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA – PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA USP