Não, não é e vou explicar tecnicamente o porquê.
A liberdade de reunião é garantida pela Magna Carta, no seu artigo 5º, inciso XVI, que diz: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Ou seja, manifestações pacíficas que reivindiquem a observância de direitos e garantias constitucionais com a tomada de providências constitucionalmente previstas, não podem ser consideradas inconstitucionais, mesmo que críticas aos poderes constituídos.
É o que dispõe, aliás, a Lei nº 14.197/2011, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, que acrescentou ao Código Penal, como norma de encerramento, o artigo 359-U, que trata da liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, direito fundamental e já consagrado na Constituição Federal (art. 5º, IV), tão vilipendiado na atualidade. Dispõe a norma que: “Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
O direito à livre manifestação do pensamento consiste justamente em poder dizer o que pensa sobre algo ou alguém, inclusive poderes constituídos e seus agentes, sem que importe crime (atipicidade formal e material). Esta regra constitucional é fruto de um país democrático e uma lei, que tutela justamente o Estado Democrático de Direito, nunca poderia punir a manifestação do pensamento, que é um dos seus pilares.
E, como de trata de norma penal mais benéfica e excludente da tipicidade, pode ser aplicada analogicamente a outros dispositivos previstos na legislação que punem os delitos de opinião, aqueles praticados por meio de palavras, escritos e até mesmo gestos.
Qualquer pessoa ou Instituição, não estando livre os chefes de Estado, de Poder e outros agentes públicos e políticos, podem ser criticados, cabendo ao Poder Judiciário realizar juízo de ponderação de valores para chegar à conclusão sobre a natureza jurídica da crítica (exercício de um direito ou crime), observando que medidas desproporcionais devem ser coibidas.
Do mesmo modo, não é possível criminalizar as atividades jornalísticas e de comunicação, que também possuem fundamento constitucional. O artigo 5º, inciso XI, da Magna Carta, dispõe ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. No mesmo sentido, o disposto no artigo 220 da Carta Constitucional, que veda qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, observadas outras regras constitucionais, que devem conviver harmonicamente sem que haja qualquer tipo de excesso. E complementa o dispositivo seu § 2º, que veda qualquer espécie de censura de natureza política, ideológica e artística.
Reivindicações de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas populares, reuniões, greves ou quaisquer outras formas de manifestações políticas com propósitos sociais, não podem ser proibidas e muito menos consideradas infrações penais. Nunca um direito protegido pela própria Constituição Federal pode ser vetado ou criminalizado, o que seria paradoxal, ilógico e certamente inconstitucional.
Claro que esses direitos, como quaisquer outros, não são absolutos e, quando ultrapassados seus limites, seu indevido exercício pode constituir infração, inclusive de natureza penal.
Com efeito, protestar pacificamente, sem armas ou conflitos, com o propósito de observância de direitos e garantias fundamentais ou mesmo de outros princípios e regras constitucionais, que, no modo de ver dos manifestantes estão sendo violados, desde que dentro dos limites da legalidade, não é infração penal ou outra ilegalidade e seu exercício deve ser protegido pelo Estado e nunca coibido, por ser uma das formas do exercício da cidadania, que pressupõe a possibilidade de divergência de opiniões.
Pretender-se limitar ou suprimir o direito de reunião, umbilicalmente ligado ao direito de livremente se expressar e dizer o que pensa sobre algo ou alguém de forma proporcional, seja por meio de ato normativo (lei, decreto, portaria etc.) ou mesmo de decisão judicial, o que é muito pior, é medida abusiva, típica de país totalitário, que não encontra guarida na Constituição Federal, que a veda expressamente e reconhece esses diretos como cláusulas pétreas, núcleo intangível da Constituição Federal, que não pode ser alterado nem mesmo por emenda constitucional, nos termos do artigo 60, § 4º, da Magna Carta.
Todo país democrático do planeta protege o direito de livremente se expressar e de se reunir em manifestações pacíficas que reivindiquem a observância de direitos e garantias constitucionais, que critiquem algo ou alguém, ou que postulem a tomada de providências, sempre de forma pacífica, ordeira e sem armas.
Querer calar a população por meio da restrição desses direitos ou por intimidação de qualquer sorte são sintomas da instalação de um regime totalitário, que pretende impor a sua vontade como a única aceita, punindo-se as demais vozes que o contrarie.
Veja-se que esse tipo de conduta é usual em países como China, Rússia, Coréia do Norte, Cuba e Venezuela, todos totalitários e que calaram suas populações, que se submetem por meio da força aos ditames despóticos daqueles governos.
A liberdade de manifestação e de reunião pressupõe o direito de externar suas ideias, sua verdade, que não necessita serem a da maioria das pessoas. O cerne desses direitos fundamentais é justamente poder contrariar qualquer pensamento majoritário, que nem sempre é o mais correto e nem reflete a verdade, que pode variar para cada um. Democracia pressupõe a convergência e, também, a divergência de ideias e de ideologia.
Portanto, para que a democracia seja preservada, não é possível calar a população e impor a vontade única daqueles que se encontram no poder, ferindo de morte normas fundamentais para a sobrevivência do estado de direito.
Com efeito, NUNCA o exercício de um direito constitucional poderá ser fundamento para a imposição de uma medida cautelar qualquer, notadamente a prisão preventiva, que é providência excepcional, que só deve ser decretada em crimes graves, naqueles dolosos cuja pena privativa de liberdade máxima cominada no tipo penal exceda a quatro anos, ou se o delito envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, ou, ainda, quando o agente não é identificado ou reincidente em crime doloso (art. 313 do CPP).
Além desses requisitos, para a decretação da prisão preventiva, devem estar presentes uma das circunstâncias previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, para a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que devidamente fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos, que justifiquem a adoção desta severa medida que, como já dito, é excepcional.
Com efeito, para crimes passados, simplesmente por serem graves, quando não há fato novo ou contemporâneo que a justifique, não pode ensejar a decretação desta medida cautelar, podendo, se o caso, serem aplicadas outras diversas da prisão, como o monitoramento eletrônico.
Mesmo para a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, deve haver fundamentos concretos, que são os mesmos previstos para a decretação da prisão preventiva, isto é, havendo necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, nos exatos termos do artigo 282, inciso I, do Código de Processo Penal.
Não sendo a manifestação organizada para nenhum tipo de ameaça ou ato violento, mas tão somente para se pleitear adoção de medidas legítimas, previstas constitucionalmente, de maneira nenhuma poderá ensejar qualquer tipo de punição ou decretação de medidas judiciais em desfavor dos organizadores da manifestação e muito menos dos manifestantes, uma vez que isso importaria obstar o livre exercício de um direito constitucional, o que é absolutamente vedado em um estado democrático de direito e usado à exaustão em regimes totalitários, que prende, pune e reprime manifestantes e os organizadores das manifestações.
A única providência exigível é que as autoridades competentes, no caso a administração municipal e os órgãos de segurança pública, sejam notificadas/cientificadas para que possam adotar as devidas providências a fim de que tudo corra normalmente, inclusive para verificar se não há outra manifestação ou reunião já convocada para o mesmo local, que terá preferência.
Enfim, para que a democracia sobreviva basta que se observem os princípios e regras constitucionais, que não podem ser restringidos ou suprimidos, exceto naqueles casos excepcionais pela Carta Constitucional trazidos e disciplinados.