O DREX, Central Bank Digital Currency (CBDC) brasileira, é apresentado pelo Banco Central como um passo decisivo rumo à modernização do sistema financeiro. Definido como uma versão digital do Real, sua função declarada é ampliar a oferta de serviços, aumentar a eficiência das transações e permitir a tokenização de ativos, conversão de ativos do mundo real (como moeda corrente, metais preciosos, imóveis, obras de arte ou títulos etc) em representações digitais. Para tanto, utiliza uma blockchain permissionada, uma rede de blockchain, que é o registo digital imutável e descentralizado que armazena transações de forma segura, transparente e distribuída numa rede de computadores, onde o acesso é restrito, exigindo permissão de um administrador ou entidade central para participar, ler ou realizar transações na qual o acesso e a operação são controlados por instituições autorizadas, conciliando rastreabilidade e, em tese, preservação da privacidade. Mas ressalte-se que, ao contrário das criptomoedas como o Bitcoin, cujo controle é descentralizado e distribuído entre seus usuários, o DREX será integralmente controlado pelo Estado e, em última instância, pelo governo de plantão. Tal característica não apenas compromete a neutralidade do sistema, mas também amplia o risco de uso político da moeda digital em detrimento das liberdades individuais.
A experiência internacional alerta que tais moedas digitais frequentemente transcendem sua função técnica e passam a desempenhar um papel político e social. A República Popular da China é o caso mais emblemático, onde o Yuan digital, introduzido sob justificativas semelhantes às brasileiras, tornou-se peça central no aparato de vigilância econômica do Estado. Seu uso integrado a sistemas de crédito social e de monitoramento em tempo real eliminou o anonimato financeiro e ampliou significativamente a capacidade estatal de condicionar o
comportamento dos cidadãos por meio da economia.
O paralelo não é fortuito. A digitalização da moeda, ao contrário das cédulas físicas, confere ao emissor um poder inédito de rastrear cada movimento financeiro. Se hoje o combate à sonegação, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro são os argumentos de maior apelo, nada impede que, no futuro, o mesmo instrumento
seja empregado para a restrição de transações consideradas “inadequadas” ou “inconvenientes” pelo poder político vigente. A linha entre segurança financeira e controle social é tênue e historicamente, uma vez ultrapassada, difícil de ser revertida.
A Europa e os Estados Unidos, em seus próprios projetos de CBDC, enfrentam dilemas semelhantes. Enquanto a União Europeia discute o euro digital sob forte pressão para garantir anonimato limitado nas transações menores, os Estados Unidos mostram resistência em avançar nesse terreno justamente pelas implicações de vigilância e concentração de poder em mãos do governo federal. Esse contraste evidencia que o debate em torno das moedas digitais de bancos centrais é, antes de tudo, político e não apenas tecnológico.
No Brasil, o DREX é apresentado como extensão das atuais regras de sigilo bancário. Mas ao criar uma moeda totalmente rastreável, coloca-se em mãos do Estado e de instituições financeiras um instrumento que pode, a depender do contexto político, servir tanto ao fortalecimento do sistema contra práticas ilícitas quanto à redução da autonomia financeira dos cidadãos. Mais do que uma promessa de inovação, o DREX abre caminho para um modelo de governança econômica centralizada, cujo potencial de uso arbitrário não pode ser ignorado.
Em síntese, o dilema está posto, o DREX poderá ser um mecanismo de maior segurança e eficiência, ou converter-se em um sistema de controle e vigilância, como se observa em regimes que priorizam a disciplina social sobre a liberdade individual. A história recente mostra que a tecnologia, quando aliada ao poder político, raramente permanece neutra. Cabe à sociedade brasileira discutir não apenas os benefícios imediatos, mas sobretudo os riscos de longo prazo embutidos na digitalização da moeda nacional.