Recebi de conceituado escritório de advocacia desta cidade, mensagem eletrônica transcrita na íntegra:
“Uma empregada doméstica contratada em junho de 2023 para trabalhar em duas casas de um casal divorciado – e até cuidar de um canil – buscou na Justiça o pagamento de horas extras“.
Os empregadores alegaram que ela não excedia a jornada, mas não apresentaram o registro do ponto, documento exigido desde a Lei Complementar nº 150/2015.
A 6ª Turma do TST foi clara: sem controle da jornada, presume-se verdadeira a jornada alegada pela trabalhadora. O relator, ministro Augusto César, destacou que o registro é obrigatório para todos os empregadores domésticos, independentemente do número de empregados.
A decisão serve de alerta: a falta de controle da jornada acarreta condenações significativas. Empregado doméstico sem cartão de ponto pode gerar condenação de horas extras. Cumprir a lei é a melhor forma de prevenir litígios e proteger ambas as partes”.
Com efeito, “cumprir a lei é a melhor forma de prevenir litígios e proteger ambas as partes”. É necessário, porém, que a lei tenha sido elaborada com racionalidade, de maneira a espelhar a realidade e, como no caso dos contratos de trabalho em geral, apta a satisfazer as necessidades e possibilidades de ambas as partes. Conforme
levantamento feito a meu pedido pelo ilustre advogado Dr. Daniel Formiga, em uma década desapareceram nada menos do que 400 mil vagas formais de emprego doméstico, por força das exageradas exigências da lei.
A Lei Complementar nº 150, de 1º/6/2015, sobre o contrato de trabalho doméstico, sancionada pela presidente Dilma Roussef, pertence à numerosa espécie das aberrações jurídicas produzidas nos últimos anos. Com 47 artigos, parágrafos, incisos e alíneas, complicou o que era simples e provocou o quase completo desaparecimento de empregadas e empregados domésticos, substituídos por diaristas e autônomos. Que o
digam as professoras e outros profissionais cujos vencimentos ou salários não lhes permitem suportar os custos e os riscos da estúpida legislação.
O acórdão da 6ª Turma do TST adverte que “o registro do ponto é obrigatório para todos os empregadores domésticos”. A lei, no art. 12, de fato obriga, e esclarece que o ponto pode ser registrado “por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo”. Sabemos que um dos principais problemas para os empregadores, de maneira geral, é conseguir da Justiça do Trabalho que considere idôneos, ou seja válidos,
registros anotados pelos empregados.
O livro de ponto, anotado e assinado pelo empregado, pertence ao passado. Registros mecânicos ou eletrônicos são incompatíveis com as dimensões de casas modestas e de pequenos apartamentos. Destarte, o que a lei exige está fora do alcance da esmagadora maioria dos empregadores domésticos. Se exibidos em juízo, livros de ponto seriam contestados e recusados por falta de idoneidade. Imagine-se a empregada anotando, de próprio punho, horário de chegada, o intervalo para o almoço, o retorno após uma hora ou trinta minutos, e o momento da saída (art. 13).
A Constituição de 1988 avançou bastante na proteção aos trabalhadores domésticos, como se pode ver no parágrafo único do art. 7º. Com o Decreto nº 3.361/2000, o presidente Fernando Henrique regulamentou o acesso desse trabalhador ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A Lei Complementar nº 150/2015 tornou impraticável a contratação de empregado doméstico por família de classe média, não apenas pelos custos, mas sobretudo pelos riscos que acarreta.
A situação se agrava para idosos que, pela idade avançada, ou doença incapacitante, exigem cuidados permanentes, todos os dias do ano. Neste caso, não bastará um cuidador, serão necessários no mínimo quatro, para corresponder às exigências referentes ao horário. Isto significa despesas mínimas em torno de R$ 35 mil mensais, com todos os encargos.
A presidente Dilma Roussef não se destaca na história da República pela lucidez de raciocínio, clareza de exposição e fartos conhecimentos. Não concluiu o segundo mandato. Processada por crime de responsabilidade, caracterizado pela falta de probidade na administração, conforme prevê o art. 85, V, da Constituição, foi julgada,
condenada pelo Senado Federal e deposta da presidência da República, sendo o mandato concluído pelo vice-presidente Michel Temer. O presidente Lula a colocou para presidir o Brics.
A Lei Complementar nº 150/2015 converteu empregadas em diaristas. É necessário que surja alguém, no Poder Legislativo, com coragem suficiente para corrigi-la dos excessos. O objetivo seria dilatar o mercado de trabalho para aquelas que não se colocam como operárias, comerciárias, bancárias, servidoras públicas, almejando, contudo, algo mais do que trabalhar dois dias da semana como diaristas.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior
do Trabalho