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Volto a insistir: a anistia é o melhor caminho – por Cesar Dario

Há algumas coisas que só acontecem no Brasil.

As pessoas que mais lutam para a não concessão da anistia foram anistiadas em 1.979. E não foram perdoadas por qualquer crime, mas por pertencerem a organizações terroristas e algumas delas por terem cometido crimes muito mais graves do que um mero quebra-quebra, que saiu do controle.

A anistia foi sancionada em 28 de agosto de 1979, no governo do presidente João Figueiredo. Foram perdoados crimes políticos e conexos cometidos no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.

O perdão alcançou tanto militares e agentes do Estado acusados de tortura e violações de direitos humanos, quanto guerrilheiros, terroristas, militantes de esquerda, e opositores políticos acusados de terrorismo, homicídios, sequestros, tortura, assaltos a banco e outros delitos praticados com motivação política.

Note-se, assim, que já houve na história brasileira a concessão do perdão para que o país voltasse à normalidade e que tudo fosse esquecido, justamente a finalidade da anistia, normalmente concedida a delitos políticos.

No entanto, causa espécie manifestações capitaneadas por artistas e políticos beneficiados pela anistia e, agora, de forma incoerente e hipócrita, não querem que pessoas inofensivas, dentre elas mães, avós e trabalhadores em geral, que nada de mais grave fizeram, exceto a danificação de patrimônio público, sejam perdoadas e voltem à sua vida em família.

A anistia deve ser concedida para que ocorra a pacificação social, haja vista a polarização exacerbada da política, que pode levar a situações mais graves, o que não é nada bom para a democracia.

Não há como negar que as penas aplicadas para aqueles os Atos de 8 de janeiro foram absolutamente desproporcionais, superiores às de homicidas, traficantes, sequestradores e outros bandidos que infestam nossa sociedade, sem contar os corruptos confessos, que se encontram soltos e ainda tiveram valores devolvidos em razão de anulação de processos por vícios formais não verificados em três instâncias de julgamentos por unanimidade de votos.

Além do mais, para quem estuda e vive o direito, a acusação e condenação se deu por “por baciada”, sem a individualização das condutas de muitos dos condenados, não observando a teoria finalista da ação e parecendo aplicar o direito penal do inimigo, fatos já comentados por mim em diversos artigos que se encontram na Rede.

Digo o mesmo em relação aos acusados de serem os mandantes, idealizadores e fomentadores do suposto “golpe de Estado”, que, como cansei de escrever e falar, tudo ficou apenas no planejamento (se é que houve) e a vinculação com o quebra-quebra de 8 de janeiro só pode ser feita com muito malabarismo jurídico, já que a relação causal entre os atos cometidos meses ou mesmo anos antes e o vandalismo é muito difícil, senão impossível, de ser enxergada.

Não vou ingressar a fundo no mérito do que seja a anistia, mas apenas tecer alguns breves comentários sobre o instituto.

Cuida-se de uma forma de perdão concedido por lei do Congresso Nacional motivada por razões políticas ou por espírito de humanidade. Ela faz com que o crime desapareça e enseja a extinção da punibilidade do beneficiado, isto é, o Estado perde o direito de punir determinado fato, mas o tipo penal continua em vigor.

Outra questão que certamente será alvo de debates no caso de ser aprovada no Congresso Nacional, por se tratar de lei, deve ser sancionada ou vetada pelo Presidente da República, que poderá agir politicamente. E, neste caso, mesmo que vetada, o veto pode ser derrubado pelos Parlamentares pela maioria absoluta de seus membros em cada Casa, ou seja, 257 votos de Deputados e 41 votos de Senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).

Como não há ninguém condenado por crime hediondo ou equiparado, não vejo como ser a lei que conceder a anistia declarada inconstitucional ou invalidada pelo Supremo Tribunal Federal, a não ser que haja irregularidade formal em sua tramitação ou desvio de finalidade, lembrando que a finalidade da anistia é justamente conceder o perdão pelos atos praticados, faculdade essa de competência exclusiva do Congresso Nacional.

Não há nenhuma norma constitucional ou legal que impeça a anistia para este caso, exceto se forem realizados malabarismos jurídicos para dar uma interpretação extremamente elástica a princípios constitucionais e chegarem à conclusão de que o benefício feriria alguma norma constitucional.

Não é dado ao STF discutir o mérito da anistia, isto é, se os beneficiados são ou não merecedores do ato de clemência.

Essa decisão é do Parlamento por se tratar de modalidade de perdão existente desde os tempos mais antigos.

Da mesma maneira que pode a Suprema Corte conjecturar ser a anistia um incentivo a prática de novos atos semelhantes, também podemos fazê-lo no sentido contrário, de que os ânimos seriam acalmados por conta de prisões injustas derivadas de processos absolutamente nulos em razão da incompetência da Excelsa Corte, da ausência de individualização das condutas, sonegação de provas (filmagens que desapareceram) e penas desproporcionais.

A anistia, justamente por ser uma espécie de perdão do soberano, é ato dirigido a pessoas determinadas, que praticaram um ato ilícito. Não, há dessa forma, violação ao princípio da impessoalidade, justamente por ter a natureza de perdão dirigido a fatos certos e determinados, que, fatalmente, beneficiará pessoas certas e determinadas.

Trata-se de uma decisão política e, por isso, só cabe ao Poder Judiciário declarar judicialmente o direito, desde que preenchidos os requisitos legais, julgando extinta a punibilidade dos beneficiados, e nada mais.

Foge à competência da Excelsa Corte criar empecilhos constitucionais ou legais não previstos em nosso sistema jurídico para a concessão da anistia, mas apenas analisar os já existentes, que não vedam o perdão aos crimes pelos quais os manifestantes foram acusados ou condenados.

Se a intenção do Constituinte originário fosse a de vedar a anistia para essas espécies de delitos o teria feito expressamente. Até mesmo o legislador, ao criar os crimes contra o estado democrático de direito por meio de lei, poderia tê-los inserido no rol dos crimes hediondos ou equiparados, o que ensejaria a vedação ao perdão, mas não o fez, o que nos leva à conclusão de que o benefício foi permitido por ele, talvez por ser um crime político e permitir o perdão político.

Cada Poder da República tem na Constituição as regras de sua competência, que limitarão sua atuação, justamente para não haver a invasão de um ao outro, exceto naqueles casos taxativamente expressos no texto constitucional em que são exercidos os freios e contrapesos, isto é, a fiscalização recíproca; do contrário, ocorre a violação de um dos princípios básicos do todo país democrático, a independência dos Poderes, que devem ser harmônicos e coerentes, o que deixa de existir quando um deles toma para si atribuição do outro sem autorização constitucional.

Enfim, a anistia seria uma forma de restabelecer a justiça, posto que as punições aplicadas aos participantes daquele quebra-quebra já foram mais do que suficientes e o recado já foi dado no sentido de que atitudes daquele tipo não serão aceitas e exemplarmente punidas, muito embora, no meu modo de ver, absolutamente desproporcionais.

Sobre o tema, vide também:

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-atos-de-8-de-janeiro-e-a-anistia-a-seus-participantes/2602694098

*Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

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