O denominado Projeto de Lei das Fake News (PL nº 2.630/2020) avança na Câmara dos Deputados e pode ser votado breve.
O cerne da questão do projeto é saber o que é a verdade, tanto que pune como crime, apenado com um a três anos de reclusão, além de multa, aquele que promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante uso de conta automatizada e outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicações de internet, divulgação em massa de mensagens que contenha fato que sabe inverídico, que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal (art. 50).
Cuida-se de norma extremamente aberta, que delega ao Estado e às redes sociais a incumbência de dizer o que é verdade ou mentira, o que é praticamente impossível quando se tratar de fatos que dependam de interpretação.
Em uma verdadeira democracia não é dado ao Estado impor a sua verdade, restringindo a divulgação de fatos históricos ou mesmo a interpretação sobre eles.
O direito a conhecer fatos ocorridos é de todo cidadão, que pode pensar por si mesmo e interpretar aquele fato de acordo com sua consciência e conhecimento adquirido no decorrer de sua vida.
O motivo é bem simples: a verdade está nos olhos de quem a vê e pode variar para cada intérprete.
Aliás, isso é comum no mundo do direito. Cada ator processual pode interpretar o mesmo fato histórico de maneira totalmente diferente. Pode ser de uma forma para a acusação, de outra para a defesa e o magistrado ainda pode vê-lo de maneira diversa das partes.
Não cabe ao Estado impor sua verdade. Não é lícito ter determinado fato como dogma de modo a não poder ser contrariado. É porque é e ponto. Isso não existe em uma democracia. Cada brasileiro tem o direito de absorver informações e pensar por si próprio.
Somente em estados totalitários e despóticos o Estado é o detentor da verdade e da mentira de acordo com sua ideologia e necessidade. Por isso, nesses locais, é o Estado quem filtra as informações e passa à população sua interpretação sobre os fatos de modo a não poderem ser contrariados. Quem o fizer é preso e processado por crime contra a existência do Estado pelo simples fato de pensar e ter sua opinião em desacordo com o imposto pelo poder constituído.
Para que isso não ocorra, nos países democráticos, a censura é vedada e cada cidadão pode criticar o que quiser. O direito à crítica e de expressar sua opinião sobre algo ou alguém é inerente a toda democracia, que só exige que não se ultrapasse limites constitucionalmente bem delineados de modo a ferir direitos de outrem, como a honra, imagem e intimidade, cabendo ao Judiciário analisar o fato em concreto para se chegar à conclusão sobre a ocorrência de ilícito penal, civil ou administrativo, possibilitando, inclusive, o direito de resposta e indenização por dano material e moral sofridos, sem prejuízo, ainda, de ação penal, quando cabível.
Normas previstas no direito objetivo já existem às pencas para se punir aquele que, por meio da manifestação do pensamento, causar dano a outrem, tanto na seara do direito penal, quanto na do civil e administrativo.
Repito, censura prévia é vedada constitucionalmente, não só no Brasil, mas em todos os países democráticos, inclusive havendo sua vedação em diplomas internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
A punição pelo excesso na liberdade de manifestação do pensamento é posterior, isto é, extrapolou os limites entre o permitido e o proibido, que seja punido, mas sempre de forma posterior e não antes de praticar o ato, o que caracteriza censura prévia.
Criar-se norma penal extremamente aberta, como a proposta, a pretexto de se coibir as chamadas notícias falsas (fake news) será uma arma giratória, que poderá atingir a tudo e a todos a depender da ideologia dos detentores do poder, o que é muito perigoso e poderá levar a excessos e arbítrio, o que é comum em regimes totalitários e não seria nada bom para uma jovem democracia como é a brasileira.
Enfim, não é dado ao Estado impor sua verdade para os cidadãos, que possuem o direito constitucional de analisar fatos e interpretá-los de acordo com sua consciência e ideologia.