Ocorre que, no âmbito do direito penal, surge questão interessante, posto que o crime (se é que houve) foi cometido por brasileiro e contra brasileiro fora do território nacional. E como fica a situação dos supostos agressores, já que eventual crime foi cometido no exterior?
A regra é que ao crime cometido no Brasil seja aplicada a lei brasileira. É o que dispõe o artigo 5º do Código Penal. No entanto, há exceções em que a lei brasileira será aplicada a crimes ocorridos no estrangeiro, surgindo o que a doutrina classifica como extraterritorialidade, que pode ser incondicionada ou condicionada.
O artigo 7º do Código Penal prevê a aplicação da lei brasileira a crimes praticados no estrangeiro, observadas as hipóteses e condições referidas em seus parágrafos e incisos.
O inciso I refere-se a casos de extraterritorialidade incondicionada, uma vez que é obrigatória a aplicação da lei brasileira ao crime cometido fora do território nacional, ainda que o agente tenha sido absolvido ou condenado no estrangeiro (§ 1º).
Fundam-se no princípio da proteção. Uma das hipóteses é quando há crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República, tais como homicídio (art. 121 do CP) e sequestro (art. 149 do CP).
Para que a lei brasileira possa ser aplicada a estas hipóteses não é exigida nenhuma condição. Tais crimes serão puníveis no Brasil independentemente da nacionalidade do agente; sejam, ou não, puníveis no estrangeiro; achando-se, ou não, o agente no território nacional; ou, que de acordo com a nossa lei, seja, ou não, permitida a extradição.
Pouco importa que o crime tenha sido atingido pela prescrição ou por outra causa extintiva da punibilidade de acordo com a lei estrangeira; ou que o agente tenha sido perdoado no país onde o crime foi cometido.
Também é irrelevante tenha o agente sido condenado ou absolvido no estrangeiro. Poder-se-ia argumentar que quando a norma determina novo julgamento, mesmo para quem já foi condenado ou absolvido no estrangeiro pelo mesmo fato, haveria violação ao princípio da proibição da dupla valoração (“ne bis in idem”).
Para que não ocorra esta hipótese, o artigo 8º do Código Penal determina que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.
Trata-se de crimes que atingem bens jurídicos de extrema importância para o Estado, o que justifica a aplicação da lei brasileira independentemente de condições exigidas nas hipóteses de extraterritorialidade condicionada. Por outro lado, há outros crimes, a imensa maioria, que para poderem ser punidos no território nacional, quando cometidos no estrangeiro, deverão estar presentes três situações descritas no artigo 7º, II, “a”, “b” e “c”, do Código Penal, em que a eficácia da lei brasileira dependerá de algumas condições, que estão previstas no artigo 7º, § 2º, “a” a “e”, do CP.
São particularidades relativas à vítima ou ao autor do delito, à impossibilidade de extradição, à presença do autor em território nacional e à ausência de julgamento no local onde o crime foi cometido. Cuida-se da chamada extraterritorialidade condicionada.
A que nos interessa é quando o crime é praticado por brasileiro no estrangeiro, posto que todo país deve punir o seu nacional que pratica um delito, mesmo que cometido fora do Brasil. Funda-se no princípio da nacionalidade ativa.
Nesta hipótese, não basta apenas a prática de crime, havendo necessidade da presença de todas as condições previstas no § 2º, do artigo 7º, do Código Penal: São elas:
1) entrada do agente no território nacional;
2) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
3) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
4) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
5) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade.
A única condição que causará dúvida é se o eventual crime cometido contra o Ministro é apenas contra a honra ou desacato, posto que, a depender da sua tipificação penal, não é admitida extradição e, por isso, o brasileiro que cometeu crime no estrangeiro, que não seja de extraterritorialidade incondicionada, não poderá ser aqui processado. Isso porque, de acordo com a Lei nº 13.445/2017, artigo 82, só caberá extradição, dentre outras hipóteses, se a lei brasileira impuser ao delito pena igual ou superior a dois anos, o que ocorre com o desacato (art. 331 do CP) e a calúnia (art. 138 do CP).
Já o crime de difamação (art. 139 do CP) poderá ser passível de extradição quando cometido ou divulgado por rede social da Internet, ocasião em que a pena é triplicada (art. 141, § 2º, do CP). E a injúria (art. 140 do CP), se cometida contra funcionário público em razão de suas funções (art. 141, II, do CP) e, também, por rede social da Internet (art. 141, § 2º, do CP), em tese terá pena máxima igual a dois anos e, por isso, caberá extradição e, neste caso, será possível processar no Brasil autor deste crime cometido no estrangeiro.
No entanto, o suposto delito foi praticado no aeroporto e não por rede social e, por isso, inaplicável o aumento do triplo, afastando a hipótese de extradição pelos crimes de difamação e de injúria, restando a possibilidade do ato no caso de calúnia e desacato.
Caluniar é imputar falsamente a alguém a prática de crime determinado.
A calúnia é o mais grave dos delitos contra a honra, pois é imputado a alguém não apenas o cometimento de fato ofensivo à sua reputação ou de qualidade negativa, mas a prática de fato determinado, definido na lei penal como sendo crime.
A falsidade da imputação é elemento constitutivo do tipo penal (elemento normativo do tipo). Se verdadeira a imputação, não haverá a adequação típica. O objeto da falsa imputação poderá recair sobre o fato em si (que não ocorreu) ou sobre a autoria do fato criminoso (que não foi praticado pelo ofendido, embora tenha ocorrido).
No caso em questão, ao que consta, não ocorreu esse tipo de assertiva, mas xingamentos vagos e imprecisos, que atingem a dignidade ou decorro do ofendido, o que pode caracterizar injúria ou desacato, a depender do enfoque dado às palavras ofensivas.
A injúria consiste no ato de ofender a dignidade ou o decoro de alguém. Neste delito, não há imputação de fato, mas de qualidade negativa ao ofendido. Injuriar é ferir os atributos pessoais de alguém.
A pessoa é ofendida não porque terceiro toma conhecimento da imputação, mas por essa em si mesma. O simples conhecimento por parte da vítima já é suficiente para ofendê-la.
O desacato, por outro lado, pode ter como elemento constitutivo a calúnia, a difamação e a injúria. A diferença entre eles é que no crime de desacato o agente desprestigia ou menoscaba o funcionário público que desempenha suas atribuições legais ou em razão delas. No primeiro caso, a vítima está desempenhando suas funções, seja qual for o local; no segundo, ela não está exercendo ato de ofício, mas a ofensa se dá em razão do exercício de sua função.
O funcionário público, que representa o Estado, tem de ser protegido quando do exercício de sua função ou em razão dela. Não é a sua pessoa física que é agredida, mas o próprio Estado, representado por seus agentes.
O bem jurídico protegido é o prestígio dos agentes do poder público e não a pessoa do funcionário. Preserva-se, com isso, a importância do cargo e da função pública contra condutas desproporcionais, que ultrapassam os limites da liberdade de expressão e do pensamento.
É indispensável que o delito seja praticado na presença da vítima ou que essa possa perceber ou ouvir as ofensas, estando no local ou próximo a ele. Caso contrário, o delito será contra a honra (calúnia, difamação ou injúria) cometida contra funcionário público em razão de suas funções (CP, art. 141, II). Assim, o desacato não pode ser cometido pelo telefone, por meio de cartas etc.
No caso, a investigação deverá descobrir por meio de prova indiciária qual a real intenção dos ofensores, isto é, ofender apenas a pessoa física do Ministro, atingindo sua dignidade ou decoro, que caracterizaria injúria, ou se queriam desprestigiá-lo em razão do exercício de suas funções na Suprema Corte, que tipificaria o crime de desacato.
Reconhecido o crime de desacato, a injúria passa a ser seu elemento constitutivo, ficando absorvida (princípio da consunção). E como o desacato tem pena igual a dois anos de detenção, poderia ser deflagrada ação penal no Brasil.
De outra sorte, ficando demonstrada a existência de mera injúria, por não ter relação com o exercício das funções do Ministro, como a pena é diminuta (um a seis meses de detenção, ou multa), inferior a dois anos, portanto, a ação penal não poderá ser promovida no Brasil.
Presente o delito de desacato, ele é infração de pequeno potencial ofensivo e, em tese, cabe transação penal, o que implica a não instauração de ação penal. E mesmo que não seja realizada a transação penal, oferecida a denúncia, é possível a suspensão condicional do processo.
No que tange à suposta agressão perpetrada contra o filho do Ministro, no caso de ter sido a realidade dos fatos, como a pena pelo crime de lesões corporais leves (art. 129 do CP) é muito baixa (três meses a um ano de detenção), não é possível a extradição e, por isso, o eventual agressor não poderá ser processado criminalmente no Brasil.
Enfim, a discussão maior será a respeito do enquadramento legal (crime contra a honra ou desacato), a fim de ser verificado se será possível, ou não, a extradição e, consequentemente, a instauração de ação penal no Brasil.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.