Alguns garotos sonhadores, ainda imbuídos dos ideais cinematográficos de Hollywood, onde o bandido é o predador da sociedade e o policial o seu defensor, ingressam na carreira policial carregando os tradicionais valores éticos e morais que constituem a base da nossa sociedade.
Vindos, em sua maioria, de famílias de classe média ou de origens economicamente modestas, esses jovens brasileiros entram nas academias policiais civis e militares embalados pelo devaneio de se tornarem protetores da sociedade, guardiões dos lares e da paz social do povo brasileiro.
Entretanto, a mesma sociedade que juraram proteger raramente reconhece o árduo e arriscado trabalho policial. Não cobra de seus representantes políticos medidas efetivas de valorização da segurança pública e, por vezes, é a primeira a condenar, criticar ou hostilizar a corporação diante de erros de procedimento ou falhas éticas. A influência ideológica presente em parte da opinião pública e amplificada por setores da imprensa contribui para um fenômeno preocupante; a bandidolatria, que envenena consciências e distorce percepções.
Como em toda instituição, há falhas e excessos. Contudo, estes geralmente são investigados e corrigidos pelas corregedorias, órgãos que se esmeram em reparar ou punir os faltosos da corporação. Diferentemente da polícia, as outras instituições públicas quase nunca sofrem a mesma carga de hostilidade social. Enquanto isso, a realidade dura das corporações policiais é sistematicamente ignorada; baixos salários, estruturas precárias e treinamento insuficiente. Muitos agentes enfrentam longas jornadas com escassas horas de instrução prática e
mínima atualização de protocolos. Equipamentos básicos de proteção, como coletes balísticos, muitas vezes estão vencidos ou incompletos, desprovidos de placas balísticas, incapazes de resistir ao poder de fogo dos fuzis que circulam nas mãos do crime organizado.
Outrossim, agrava ainda mais o panorama da segurança pública o caráter repetitivo do trabalho de coerção policial, consequência direta do afrouxamento das leis penais e da interpretação excessivamente benevolente de muitos dos seus aplicadores, deixando livres os facínoras contumazes que abundam na sociedade nacional.
Nesse cenário, encontram-se as raízes do crescimento da criminalidade. A falta de apoio institucional e de suporte material fragiliza aqueles que deveriam ser o último bastião da ordem. Assim, jovens idealistas que um dia sonharam em ser heróis da sociedade veem-se expostos à morte prematura e a um cotidiano de frustração,
enquanto o país caminha, perigosamente, para a naturalização da violência pública.
Em uma perspectiva, em que os guardiões da Lei e da Ordem são sistematicamente depreciados, o Brasil configura-se como um narcoestado ‘parcial’ ou ‘híbrido’. De um lado, ainda preserva instituições democráticas e mecanismos formais de controle; de outro, exibe um grau preocupante de captura do Estado por facções
criminosas, instaurando uma relação de simbiose entre o crime organizado e a própria estrutura oficial.
