Como todos já sabemos, os níveis de investimentos no Brasil, já há algum tempo, estão muito abaixo da média mundial e, para piorar, significativamente distantes daqueles exigidos para acelerar o crescimento e o desenvolvimento do País. As explicações para isso são as mais diversas possíveis. E todas convencem.
Ainda recentemente, o FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) publicou relatório que trata dos níveis de “gastos” com bens de capital, tais como máquinas, equipamentos, construção civil e ativos necessários para o crescimento da capacidade produtiva de um País. Conhecido como FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) e medido como percentual do PIB de cada País, o índice de FBCF brasileiro, de 2023, foi de 16,4%, enquanto a média mundial foi de 26%. E a estimativa para 2024 ainda é de percentual muito baixo: 17% do PIB.
Para que se tenha a dimensão desses percentuais, dentre 143 países pesquisados pelo Banco Mundial, relativo ao ano de 2023, o Brasil ficou em 124º lugar. Abaixo da América Latina (19,1%), Uruguai (17,4%), Argentina (18,6%) e Índia (30,8%), por exemplo. Apenas para ficarmos em períodos mais recentes o Brasil já alcançou, em 2013, índice de FBCF equivalente a 20,9% do PIB.
Não há por que estranhar, por exemplo, que nossos índices de investimento em infraestrutura, especificamente, também sejam muito menores do que o desejado. Considerando as áreas de energia elétrica, telecomunicação,
saneamento e transporte, os investimentos realizados em infraestrutura, em 2022, foram equivalentes a 2,32% do PIB. Em 2023 a 2,23% e em 2024 a 2,27%. A estimativa para 2025 é chegar aos 2,19% do PIB. Como se percebe,
índices muito baixos e ‘sem força’ para crescer.
Segundo Cláudio Frischtak, economista e especialista no assunto (1), os investimentos em infraestrutura de 2024, de R$ 266,8 bilhões, equivalentes a 2,27% do PIB, estão muito distantes dos 4,65% aa. para que, num período de 20 anos, o Brasil pudesse alcançar um nível de estoque desejável, ou seja equivalente a 63,7% do PIB. Para que se tenha uma ideia, o estoque de infraestrutura atual do Brasil (2024), é de apenas 35,3% do PIB. A projeção para 2025, considerando que os investimentos não deverão ultrapassar os 2,19% (cerca de R$ 277,9 bilhões), é a de que nosso estoque seja equivalente a 35,2% do PIB. Portanto, ainda longe do chamado “estoque alvo” aqui já citado.
Menos a se estranhar, ainda, e até por consequência, são os baixos índices de investimento voltados à expansão e ao desenvolvimento da infraestrutura logística que, se na década de 1971/1980 alcançou uma média anual de 2,03% do PIB, e na década seguinte (1981/1990) chegou a 1,48%, agora em 2024 não superou 0,721%. Queda substancial!
Ora, a logística, de forma integrada e que engloba todas as atividades necessárias para a movimentação de mercadorias, desde sua origem até o consumo final, tais como o transporte, em todos os seus modais, os sistemas de armazenagem e de depósitos, de todos os tipos e gêneros de mercadorias, a administração de estoques e a administração geral, que ainda incluem gerenciamento de riscos, seguro, sistemas de informação, documentação etc. etc., exige uma infraestrutura específica e adequada (2), de forma a prestar serviços com eficácia (3) e baixos custos (4). E para isso, sem dúvida, há a necessidade de investimentos em percentuais muito acima daqueles obtidos nos últimos 40 anos.
Há que se considerar, também, que em face da evolução tecnológica e do desenvolvimento de novos processos utilizados na logística, o conceito de infraestrutura logística se ampliou, pois agora também devem ser incluídas, por exemplo, as redes digitais, os sistemas de energia limpa, o espaço e os corredores para carregamento de veículos elétricos, cabos de fibra ótica e usinas de energia renovável. Como escreveu a McKinsey em seu site no dia 17.09.25, será exigido, também, “uma mudança fundamental de mentalidade, seja de governos, investidores e operadores”, uma vez que precisarão “adotar a colaboração intersetorial”, já que “à medida que os setores de infraestrutura evoluem, suas interseções estão se tornando tão importantes quanto suas trajetórias individuais” (5).
Por diversas vezes, e creio que há mais de vinte anos, eu tenho escrito sobre o assunto e realçando a necessidade de se ter, num prazo mais longo, investimentos para a expansão e a modernização da infraestrutura brasileira.
Creio não haver quaisquer dúvidas de que o desenvolvimento e o crescimento econômicos somente poderão ser alcançados e sustentados quando as condições econômicas e sociais possibilitarem investimentos significativos e
eficazes, em projetos e programas que tenham como objetivo o aumento da produtividade dos fatores de produção. E se já é preciso priorizar investimentos em educação, saúde e segurança, investir em infraestrutura
(saneamento, energia, telecomunicação e transporte) também passou a ter importância fundamental, pois precisamos sair desse “atraso logístico” (6).
Com as exceções de sempre, a forma como a infraestrutura de transporte tem sido tratada pelos governos que passam, e considerando que o setor ainda carece de verdadeiros líderes (menos míopes e mais comprometidos com os reais interesses do setor e do Brasil), vem indicando, de forma inequívoca, que o encaminhamento de soluções, e elas existem, para os problemas do setor, já há algum tempo, tem sido postergado para o futuro. A concreta e real queda dos níveis de investimentos, como aqui citado, demonstra isso.
Fazer com que as agências reguladoras, por exemplo, desempenhem um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, operacionalmente cada vez mais complexa e exigindo novas relações com as concessionárias, que precisam oferecer, sem dúvida, maior qualidade nos serviços prestados e preços justos e corretos, ainda é uma necessidade urgente.
Por outro lado, a dificuldade para a obtenção de dados fidedignos e mais abrangentes, quando se compara com aqueles atualmente existentes, a baixa utilização de instrumentos mais modernos de administração e controle, e a falta de planejamento estratégico, impedem que se estabeleçam diretrizes claras, integradas e intersetoriais para o setor, bem como a implantação de sistemas com maior governança.
Portanto, se algumas das tendências mundiais dos próximos anos se confirmarem (aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestrutura social, impacto crescente da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados, maior urbanização, necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança), bem como maiores cuidados com a saúde das pessoas e da sociedade de uma forma geral, será fundamental que as políticas voltadas ao desenvolvimento e crescimento do setor sejam convergentes, de forma a propiciar ao País, uma infraestrutura moderna e de maior qualidade.
Mas é preciso muito mais do que isso. É essencial que as políticas de melhoria e expansão da infraestrutura brasileira, tenham objetivos complementares, posto que também é preciso contribuir para a diminuição
das tensões sociais e da própria desigualdade, na medida em que além de menores custos na produção e na movimentação de pessoas e mercadorias, também viabilizará operações logísticas mais ágeis e abrangentes.
(1) Carta de Infraestrutura INTER.B (25.09.25 – Ano 12, nº 14);
(2) “Infraestrutura de transporte mal avaliada no Brasil”. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria, via seu relatório Competitividade Brasil, mostra porque o Brasil ocupa a lamentável antepenúltima posição “no ranking que avalia a infraestrutura de transportes em 18 economias com características similares à brasileira”.
(3) No dia 20.03.25, o TCU promoveu o “Workshop Mercado Doméstico de
Cargas” e, entre outras, “destacou que a falta de investimentos estruturais
compromete a competitividade do país no cenário internacional”.
(4) “Falta de investimento em infraestrutura aumenta custos logísticos no Brasil” é a conclusão do Relatório do TCU, que aponta impactos na competitividade e desafios no transporte de cargas doméstico (Redação em 26 de março de 2025). “O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou o Acórdão 2000/2024, destacando o baixo investimento em infraestrutura de transportes no Brasil. O documento aponta que o país destina proporcionalmente menos da metade do que outras nações de renda média para o setor, o que impacta diretamente os custos logísticos. De acordo com os dados, o transporte de cargas representa 64% dos
custos logísticos das empresas, e, em 2022, essas despesas corresponderam a 13% do Produto Interno Bruto (PIB), totalizando R$ 1,3 trilhão”.
(5) “Para mobilizar capital na escala necessária, as partes interessadas precisarão de estratégias claras, práticas e inovadoras. Os formuladores de políticas podem moldar a agenda priorizando verticais com base na demanda emergente, promovendo um ambiente regulatório favorável e criando condições que atraiam capital privado. Os investidores podem ampliar seu escopo buscando estratégias transversais e temáticas alinhadas às tendências de longo prazo. Os operadores de infraestrutura podem aumentar a eficiência e a resiliência de ativos integrando tecnologia em ativos e redes. A próxima década será decisiva para a infraestrutura global, e aqueles que agirem decisivamente hoje moldarão o futuro da conectividade, do crescimento econômico e do bem-estar social para as gerações futuras” (“O que é infraestrutura” – McKinsey, 17.09.25).
(6) São diversas as causas que caracterizam o “atraso logístico” brasileiro, e se compararmos, não só com relação aos países mais desenvolvidos ou emergentes do mundo, mas também com relação ao nosso próprio
desempenho anterior, constatamos o triste fato de que o Brasil, nos últimos 20 anos, investiu muito pouco em infraestrutura, não conseguindo, inclusive, suprir a depreciação natural. O resultado, como demonstram diversos estudos de Cláudio R. Frischtak, aqui já citado, foi queda significativa no estoque de infraestrutura. O estoque total de infraestrutura (saneamento, energia, telecomunicação e transporte), equivalente a 58,2% do PIB em 1983, ficou em 35,3% em 2024. O estoque de infraestrutura em transporte, que era de 21,4% do PIB em 1983, alcançou
pouco mais de 11% em 2024.