Imagine entrar numa sala cirúrgica e perceber que não há médicos, enfermeiros ou residentes. Apenas um robô, com sensores, câmeras e algoritmos. E ele não está esperando instruções. Está fazendo a cirurgia — sozinho. Essa cena que parece saída de um filme futurista tornou-se realidade recentemente com a realização da primeira cirurgia autônoma do mundo. Sim, sem mãos humanas, sem controle remoto, sem assistência. Só máquina.
Foi nos Estados Unidos, por meio do robô SRT-H, da Universidade Johns Hopkins. Ele realizou uma colecistectomia, removendo a vesícula biliar com precisão milimétrica e seguindo todas as etapas cirúrgicas como um cirurgião experiente. Mas a pergunta que ecoa agora é: estamos diante de uma revolução ou de um dilema ético profundo?
Olha só como foi o processo para chegar nisso. O robô aprendeu por imitação — assistindo a vídeos de cirurgias, analisando textos explicativos e incorporando correções ao longo do tempo. Além disso, respondeu a comandos por voz e se adaptou à anatomia do paciente como se tivesse décadas de prática. Tudo isso parece brilhante. Mas o que está em jogo não é apenas a eficiência técnica. É o impacto humano. Podemos confiar a vida a uma máquina? E se algo sair do esperado — quem assume a responsabilidade? Contudo, sempre faço uma analogia com carros autônomos. Muitos têm medo de andar neles. Por outro lado, eles não tomam bebida alcoólica, não se distraem no celular e não infringem a lei de trânsito como os humanos, podendo ser, portanto, mais seguros.
Mas estamos falando de medicina, e essa área sempre foi um território onde ciência e sensibilidade se encontram. A decisão de cortar, manipular e suturar envolve não apenas protocolos, mas intuição, experiência e até compaixão. Um robô pode medir batimentos cardíacos, mas será que poderia sentir o medo no olhar do paciente? Cientistas estão trabalhando nisso – na sensibilidade das máquinas.
Se esse ritmo continuar, é bem possível que daqui cem anos poderemos ver cirurgias realizadas por robôs com base em dados genéticos individuais. Diagnósticos poderão ser instantâneos, feitos por sensores corporais que detectam doenças antes mesmo dos sintomas. Nanorrobôs poderão fazer reparos internos em tempo real. As consultas médicas poderão ocorrer por hologramas, sem que o paciente precise sair de casa… e muitas outras coisas.
Parece fascinante e inevitável, creio eu. Mas será que a medicina do futuro vai ser mais humanizada ou mais automatizada? Ou as duas opções? Talvez, uma das coisas que devemos considerar é que tudo o que essas máquinas fazem, são baseadas no comportamento humano. Inclusive muitas invenções são construídas com base no funcionamento de organismos orgânicos — que é perfeito, não é mesmo! Portanto, se as máquinas procuram nos copiar, quem sabe não copiem aquilo que somos bons.
Na verdade, as tecnologias sempre salvaram e podem continuar a salvar vidas. Veja, se não fossem os desfibriladores, centenas de milhares de pessoas morreriam por infarto todos os dias, mas essa máquina pode adiar uma parada cardíaca fatal. E democratizar o acesso à essas tecnologias é estender a vida.
Talvez o grande desafio dos próximos anos não seja construir robôs cirurgiões mais eficazes — mas construir máquinas cada vez mais parecidas com os humanos bons.