No começo dos anos 90, após a prisão do mafioso Tommaso Buscetta no Brasil e testemunho do dissidente da KGB Vladimir Bukokski, foi deflagrada na Itália a denominada “Operação Mãos Limpas”, culminando com a prisão de quase três mil pessoas, dentre elas centenas de empresários e políticos, inclusive quatro que haviam sido primeiro-ministro.
As acusações basicamente eram de pagamento de propina a altos funcionários públicos e políticos para que empresas vencessem licitações a assinassem contratos bilionários com empresas públicas.
Toda a nação italiana aplaudiu de pé as ações, enquanto partidos políticos eram atingidos em cheio, vindo alguns deles a desaparecer posteriormente.
A operação foi comandada pelo magistrado Antônio di Pietro, junto com sua equipe, lembrando que na Itália Magistratura e Ministério Público integram a mesma carreira.
Durante a operação, devido à enorme pressão exercida por “forças ocultas”, a equipe foi aos poucos sendo desfeita até desaparecer. Nos meses seguintes, foram aprovadas pelo parlamento italiano diversas leis com o claro propósito de proteger os parlamentares e dificultar a punição de agentes públicos corruptos e seus corruptores.
Chegou-se ao cúmulo de vários integrantes da operação serem acusados de abuso de autoridade e de corrupção.
No Brasil, muito parecida com a operação italiana, tivemos a finada “Lava-jato”. Políticos e empresários poderosos, até então intocáveis, foram investigados, processados, condenados e presos para o desespero de muitos profissionais da área do direito, que dominavam o Poder Judiciário, obtendo êxito em praticamente todos os recursos interpostos.
As sentenças condenatórias foram prolatadas às pencas e a imensa maioria mantida nos Tribunais, notadamente no Tribunal Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça. Estes Tribunais analisaram as medidas requeridas e deferidas durante a operação e as tiveram como hígidas, ou seja, isentas de vícios processuais e abusos.
No entanto, aos poucos tudo foi mudando. Novas leis foram aprovadas e a jurisprudência dominante alterada de modo a alcançar as decisões e sentenças proferidas, retroagindo e atingindo os atos processuais já consumados e decididos de acordo com o entendimento vigente à época.
E muitas dessas novas decisões foram proferidas por apenas dois ou três Ministros da Suprema Corte e não por seu plenário, que decerto não teria aniquilado a operação e os processos em andamento, inclusive com sentenças condenatórias prolatadas e mantidas por três desembargadores e cinco (ou quatro) Ministros do Superior Tribunal de Justiça, sempre por unanimidade.
Dizer que houve inúmeros abusos e vícios processuais não procede. Claro que houve alguns, que foram reconhecidos em segunda ou terceira instância e a legalidade recomposta. Mas nada que pudesse macular toda a operação, que foi respaldada por estes tribunais na imensa maioria dos processos.
Com efeito, o que ocorreu na Itália também adveio aqui. O mecanismo contra-atacou e aos poucos minou toda a operação de modo, não a inocentar os condenados e acusados, já que as provas abundam nos autos, mas a anular os processos por vícios processuais formais, no meu modo de ver inexistentes na boa parte dos casos.
E pior, chega-se ao cúmulo de serem anuladas colaborações premiadas em que a confissão é condição sine qua non para o ato, determinando-se a devolução dos valores pagos a título de multa, e certamente provenientes de propina, que foram restituídos ao erário pelos corruptos e corruptores, que dilapidaram o patrimônio público em prejuízo de milhões de brasileiros, notadamente os mais pobres, que não possuem assistência médica, educação e sequer saneamento básico adequados.
E, como aconteceu na Itália, os atores processuais, considerados à época heróis nacionais, passam a ser os vilões e os bandidos os mocinhos, o que já era esperado no país em que impera a impunidade e se faz conhecido internacionalmente como leniente com a criminalidade, notadamente a do colarinho branco.
Enfim, a esperança em um país livre da corrupção e da impunidade para os poderosos não passou de um sonho, que parece muito longe de ser realizado.
Quer saber mais, seguem abaixo links de artigos acerca do tema:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-desabafo-de-um-jurista/2451378937?
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/operacao-lava-jato-modelo-a-ser-seguido/1762654733
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.