A jornada de uma pessoa com doenças raras é repleta de desafios. Muitas dessas enfermidades — cerca de 9.000 — são progressivas e incapacitantes, comprometendo diversos órgãos e sistemas e podendo levar ao óbito prematuro. Não somente o paciente, mas toda a família é impactada, em uma rotina de cuidado diário e integral que inclui consultas, exames e terapias.
No caso do Brasil, essa jornada é ainda mais difícil: um paciente pode levar até 10 anos para conseguir o diagnóstico, fundamental para ter acesso ao tratamento e manejo adequados. Por falta de centros especializados, profissionais, recursos — ou mesmo desconhecimento sobre essas doenças —, é necessário um périplo por médicos, hospitais e exames, às vezes exigindo que se atravesse o país em busca da resposta.
Procedimentos mais específicos, como exames genéticos, são sofisticados e, na maioria das vezes, inacessíveis para muitas famílias. Como resultado, pacientes acabam falecendo sem diagnóstico, ou então sua doença progride de forma a tornar mais difícil o manejo.
No entanto, no Rio Grande do Sul, estamos mostrando que é possível mudar essa realidade. Há um ano, inauguramos a Casa dos Raros, em Porto Alegre, um centro pioneiro na América Latina para assistência integral, educação e pesquisa sobre doenças raras. E nesse primeiro ano, os resultados que estamos obtendo são muito satisfatórios.
Atendemos dezenas de pacientes por mês, de forma totalmente gratuita, sendo em sua grande maioria crianças ou adolescentes. Após uma triagem, ocorrem consultas com equipes multiprofissionais, envolvendo médico (inclusive geneticista), fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, psicólogo, assistente social, enfermeiro e outros especialistas.
Com exames genéticos altamente sofisticados — muitos dos quais fomos os primeiros a realizar no estado —, obtemos o diagnóstico de várias doenças. Em menos de 60 dias, estamos oferecendo as respostas que pacientes e suas famílias aguardavam há tempo, muitas vezes há mais de cinco anos.
Depois da conclusão do caso, orientamos sobre o manejo e aconselhamento dos pacientes e familiares e, se necessário, treinamos os profissionais que seguirão com o atendimento no longo prazo. A Casa dos Raros fará ainda o seguimento periódico de cada caso, de forma presencial ou remota.
Desde novembro, já atendemos mais de 150 pacientes encaminhados pela rede pública de saúde de todo o estado, por meio de um convênio firmado com o governo gaúcho. Em 42 meses, serão mais de mil crianças e adultos acolhidos, totalizando mais de 30 mil consultas e exames.
Um modelo inovador capaz de mudar a história natural das doenças raras. Estamos mostrando ao Sistema Único de Saúde que é possível atender mais prontamente, com mais qualidade e com menor custo. O potencial disso é enorme — e, por essa razão, queremos levá-lo para todo o Brasil.
No futuro, nosso objetivo é que a Casa dos Raros seja uma rede que alcance todas as regiões. Estamos propondo às secretarias estaduais a replicação desse modelo. E, em São Paulo, estamos avançando para construir o Hospital dos Raros, que será o primeiro do mundo dedicado a essas doenças. O terreno já foi concedido pela Prefeitura, na Vila Mariana, e o projeto está em desenvolvimento acelerado.
Mas é preciso mais: governos e sociedade devem agir em uníssono para transformar a realidade dos raros. São fundamentais os avanços em políticas públicas e investimentos, por exemplo, na implementação do teste do pezinho ampliado no SUS, que é lei desde 2021 e ainda está distante de alcançar todos que necessitam. Precisamos também fomentar pesquisas e acelerar a implementação de terapias inovadoras para doenças raras.
São 13 milhões de brasileiros que vivem com doenças raras. Em apenas um ano, mostramos que é possível mudar a história de quem sofre com essas enfermidades, de forma rápida e eficiente. Expandir esse potencial para todo o país será uma esperança para abreviar a jornada dos raros e levar mais qualidade de vida a quem tanto precisa.
Antoine Daher é empresário, fundador da Casa Hunter e cofundador da Casa dos Raros
Roberto Giugliani é geneticista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fundador do Instituto Genética para Todos e cofundador da Casa dos Raros