O que está por trás da disputa por Essequibo
O saudoso filósofo e professor Olavo de Carvalho, em seu curso de ciência política, nos lembrava com a assertividade que lhe era costumeira que o segredo é elemento característico do poder. Se soubermos tudo que alguém faz esse já não tem poder.
Assim, no jogo de xadrez que é a geopolítica mundial diversas ações são praticadas em oculto sendo reveladas muito tempo depois, quando então sabemos quem de fato foi o responsável pelo desenrolar de tramas, muitas vezes, de fazer inveja aos conspiracionistas de plantão.
Pois bem, quem não se lembra da fala da ex-presidente Dilma Rousseff que no Dia das Crianças disse haver sempre uma figura oculta atrás das crianças, ao olhar para elas, figura essa que seria, nas suas palavras, “um cachorro”.
Essa fala, repercutiu imensamente na época, mas nos serve muito bem como analogia. O propósito do cientista político, do internacionalista ou de quem enverede por esse caminho na busca por analisar alguma situação de geopolítica não pode se limitar aos conceitos genéricos próprios das teorias e discussões universitárias, mas sim, se fixar na realidade e almejar desvendar quem é, em cada situação concreta, o “cachorro”, isto é, o personagem oculto, que desencadeou a crise, o conflito ou a situação que está sendo objeto de análise.
É a ciência política que acreditava Eric Voelin, a ciência política da realidade concreta, que assim como as ciências naturais não se descola da realidade do objeto de estudo e possui aplicação eminentemente prática.
Pois bem, no caso mais recente, da crise entre Venezuela e Guiana e a ameaça de invasão da região de Essequibo, o “cachorro”, a figura oculta, que está controlando esse tabuleiro é Vladmir Putin, que pediu ao presidente venezuelano para criar um desvio de foco para dividir a atenção e os recursos do ocidente.
Por isso, diferentemente das diversas razões aventadas como disputa por petróleo e outros recursos naturais, haja vista que a Venezuela possui mais de 300 bilhões de barris de petróleo em reservas, ao passo que a Guiana possui 11 bilhões de barris, a questão toda é o desvio de foco orquestrado por Putin, que deu ao mandatário caribenho, dependente das migalhas russas, mais uma chance de disparar suas bravatas.
Assim como ele fez na guerra entre Armênia e Azerbaijão e nos conflitos na África, bem como dando suporte ao Irã no caso Israel X Hamas, o que o líder da Federação Russa busca nesse momento nada mais é do que um novo desvio de foco, a fim de que o Ocidente divida ainda mais suas tropas e recursos, deixando tropas, armamentos e recursos de prontidão para essa nova ameaça de conflito e reduza o apoio à Ucrânia.
Com isso, somado aos outros desvios de foco, A Rússia vai mantendo posição nos territórios ocupados e a Ucrânia ficando cada vez com menos força militar e recursos para resistir, chegando ao ponto de, enfraquecida, acabar cedendo aos acordos que interessem a Moscou.
A Maduro, fiel cumpridor do desvio de foco, agora restou o impasse, invadir e desencadear um conflito que não poderá vencer, arrastando os países-membros da OEA a defender um de seus membros agredido. Ou permanecer no campo do discurso, não invadir o território que reivindica e ser desmoralizado, tido internamente como covarde, seja qual for a decisão, sem um “fato novo” que mude os ventos em 180° seus dias em Miraflores parecem estar chegando ao fim.
Contextualizando
Em abril desse ano, 2023, o chanceler da Rússia, Serguei Lavrov visitou a Venezuela e prometeu auxílios econômico-financeiros, argumentando que Moscou fará “o possível” para que o país sul-americano se torne cada vez menos dependente “dos caprichos” dos Estados Unidos e que possa superar as sanções impostas por Washington.
Quanto aos que vislumbram ser a invasão uma questão de petróleo, os demais membros da OPEP e quaisquer outros países com a indústria minimamente eficiente conseguem extrair 3 milhões de barris/dia ao passo que a Venezuela e sua antes aclamada PDVSA só tem capacidade atualmente para 700 mil barris/dia, o que contribuiu sobremaneira para o declínio do país. Razão pela qual, não faria sentido nenhum a invasão do país vizinho, pelo maior detentor de reservas petrolíferas do mundo que não tem capacidade sequer de extrair seus próprios recursos se o motivo fosse unicamente a busca por mais petróleo.
O custo político-econômico dessa ação, comparado com os benefícios para a Venezuela não compensam em nenhum cenário, o que só reforça as razões externas do conflito.
Rodrigo Vieira das Neves de Arruda Advogado formado pelo IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – RJ e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, pós graduado em Inteligência e Segurança do Estado pela Academia de Inteligência Estrangeira da Federação Russa, responde pela área de Regulatório e Energia do Escritório Pinheiro Pedro Advogadose é consultor especial da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. É membro efetivo da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP e professor dos Cursos de Especialização em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Foi assessor da Procuradoria Federal na ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Autor de várias obras publicadas, com destaque para o “Vade Mecum da Infraestrutur do Petróleo” e “Dicionário Jurídico do Petróleo” (ambos pela Ed. Riedeel – co-autor). Detentor do “Prêmio IBMEC de Excelência Acadêmica (2015), .