Os elementos conhecidos como Terras Raras e os Minerais Críticos representam um grupo de elementos químicos de extrema importância para a sociedade contemporânea. Embora pouco conhecidos pelo público em geral, suas propriedades únicas os tornam insubstituíveis em uma vasta gama de aplicações, desde smartphones e veículos elétricos até sistemas de defesa avançados. Este artigo explora a definição, a importância estratégica, a distribuição geográfica desigual e os desafios na produção e refino desses recursos, com foco especial no contexto brasileiro.
O que são Terras Raras e Minerais Críticos?
As Terras Raras não são “terras” nem necessariamente “raras”. O termo se refere a um conjunto específico de 17 elementos químicos metálicos: os 15 lantanídeos (elementos de número atômico 57 a 71 na Tabela Periódica) mais o Escândio e o Ítrio. O que os torna especiais são suas propriedades físico-químicas únicas, como magnetismo, luminescência e condutividade, que são cruciais para a miniaturização e a alta eficiência de dispositivos tecnológicos.
Já os Minerais Críticos são um conceito mais amplo e estratégico, definido por países e blocos econômicos com base no risco de interrupção do fornecimento e na sua importância para a economia e a segurança nacional. Esta categoria inclui elementos como:
- Lítio e Cobalto: essenciais para a produção de baterias de íon-lítio.
- Níquel: Utilizado em ligas de alta resistência e também em baterias.
- Grafite: Ânodo fundamental para as baterias e para a produção estratégica do Grafeno.
- Nióbio: (de grande relevância para o Brasil) Utilizado em superligas para a indústria aeroespacial e automotiva.
Importância: Por que São Fundamentais para o Nosso Futuro?
A relevância desses minerais pode ser dividida em três pilares principais:
a) Indústria de Alta Tecnologia:Praticamente todo dispositivo eletrônico moderno contém terras raras. O neodímio, por exemplo, é vital para a criação de ímãs permanentes superpoderosos usados em discos rígidos, fones de ouvido, alto-falantes e motores de precisão. O európio e o térbio são responsáveis pelas cores vibrantes das telas de TVs e smartphones.
b) Transição Energética:Este é talvez o papel mais estratégico atualmente. A descarbonização da economia global depende diretamente desses minerais:
- Veículos Elétricos (VEs): Requerem ímãs de neodímio para motores eficientes, lítio, cobalto e níquel para baterias, e grafite para ânodos.
- Turbinas Eólicas: Geradores de turbinas eólicas de alto desempenho utilizam ímãs permanentes de terras raras para maximizar a eficiência na conversão de energia.
- Painéis Solares: Algumas tecnologias de painéis solares avançadas dependem de elementos como o índio e o telúrio.
c) Defesa e Segurança Nacional:Sistemas de miras e guias de mísseis, lasers, sonares, radares, satélites e aviões de combate (como o F-35) utilizam ligas e componentes de terras raras e minerais críticos para seu funcionamento de ponta.
Distribuição Geográfica: Uma Concentração Estratégica

As reservas globais desses recursos são notoriamente concentradas em poucos países, criando uma dependência geopolítica significativa:
- China: Domina esmagadoramente a cadeia de terras raras, respondendo por cerca de 60-70% da produção mundial e, mais criticamente, por mais de 85% do refino.
- Chile e Austrália: São os maiores produtores de lítio, elemento-chave para a revolução dos veículos elétricos.
- República Democrática do Congo: Responde por aproximadamente 70% da produção global de cobalto.
- Brasil: Possui um potencial significativo, sendo detentor de uma das maiores reservas de terras raras do mundo, localizadas principalmente no complexo de Araxá (MG), que também é uma fonte importante de nióbio. O país também tem jazidas de lítio, grafita e outros minerais estratégicos.
Análise Quantitativa das Reservas Brasileiras
1. Terras Raras (TR)
As Terras Raras são frequentemente reportadas como um grupo, mas é crucial diferenciar entre Reservas Totais (todo o grupo) e a produção real, que é dominada por alguns elementos-chave como Neodímio (Nd), Praseodímio (Pr) e Disprósio (Dy).
País | Reservas de Terras Raras (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
China | 44 milhões de toneladas | ~ 34% |
Vietnã | 22 milhões de toneladas | ~ 17% |
Rússia | 21 milhões de toneladas | ~ 16% |
Brasil | 21 milhões de toneladas | ~ 16% |
Índia | 6,9 milhões de toneladas | ~ 5% |
Análise para o Brasil:
- Do que se conhece até o momento, o Brasil possui a 4ª maior reserva de Terras Raras do mundo, empatado tecnicamente com a Rússia.
- A principal província mineral é o Complexo Carbonatítico de Araxá (MG), mas existem outras ocorrências importantes em Serra Verde (GO), Pitinga (AM) e no estado do Rio de Janeiro.
- O grande desafio brasileiro não é a quantidade, mas a capacidade de refino. Enquanto a China produz mais de 70% do total refinado, o Brasil ainda está em fase de desenvolvimento de sua cadeia produtiva, com projetos em andamento para dominar a separação individual dos elementos.
2. Minerais Críticos Específicos
Aqui a posição do Brasil varia drasticamente, indo de uma posição de domínio global a uma participação insignificante.
a) Nióbio (Nb)O mineral crítico onde o Brasil é hegemônico.
País | Reservas de Nióbio (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
Brasil | 16 milhões de toneladas | ~ 95% |
Austrália | ~ 700 mil toneladas | ~ 4% |
O Brasil detém um monopólio virtual das reservas mundiais de nióbio, concentradas principalmente em Araxá (MG) e Catalão (GO). O nióbio é essencial para a produção de aços de alta resistência e superligas usadas em gasodutos, automóveis, aviões e turbinas.
b) Lítio (Li)Um mercado em rápida expansão onde o Brasil tem potencial significativo.
País | Reservas de Lítio (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
Chile | 9,3 milhões de toneladas | ~ 32% |
Austrália | 7,3 milhões de toneladas | ~ 25% |
Argentina | 2,7 milhões de toneladas | ~ 9% |
China | 2,0 milhões de toneladas | ~ 7% |
Brasil | 250 mil toneladas | ~ 0,9% |
- Embora a participação nas reservas pareça modesta, o Brasil possui a 6ª maior reserva de lítio do mundo.
- O potencial é considerado subestimado. Grandes projetos em desenvolvimento, especialmente em Vale do Jequitinhonha (MG) e na região de Uberaba (MG), podem colocar o Brasil entre os maiores produtores globais na próxima década, dado o interesse de grandes empresas no “Triângulo do Lítio” da América do Sul (que inclui Argentina e Chile).
c) Grafita Natural: Essencial para ânodos de baterias de íon-lítio e produção do Grafeno.
País | Reservas de Grafita (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
Turquia | 100 milhões de toneladas | ~ 28% |
China | 73 milhões de toneladas | ~ 20% |
Brasil | 72 milhões de toneladas | ~ 20% |
Moçambique | 30 milhões de toneladas | ~ 8% |
O Brasil é o 3º maior detentor de reservas de grafita do mundo, com depósitos de alta qualidade no estado da Bahia e em Minas Gerais. Assim como com o lítio, há um grande impulso para expandir a produção e o refino para atender à demanda das fábricas de baterias.
d) Cobalto (Co)Um mineral crítico com sérias questões geopolíticas.
País | Reservas de Cobalto (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
Rep. Dem. do Congo | 4,0 milhões de toneladas | ~ 70% |
Indonésia | 600 mil toneladas | ~ 5% |
Austrália | 1,5 milhão de toneladas | ~ 20% |
Cuba | 500 mil toneladas | ~ 7% |
Brasil | ~ 90 mil toneladas | ~ 0,1% |
As reservas brasileiras de cobalto são pequenas em escala global. O cobalto no Brasil é geralmente um subproduto da produção de níquel, como em Brasil Níquel (PA). A participação é marginal perante a dominância absoluta do Congo.
e) Níquel (Ni)Importante para aços inoxidáveis e baterias.
País | Reservas de Níquel (Toneladas) | Participação Global Aproximada |
Indonésia | 21 milhões de toneladas | ~ 22% |
Austrália | 21 milhões de toneladas | ~ 22% |
Brasil | 16 milhões de toneladas | ~ 16% |
Rússia | 7,5 milhões de toneladas | ~ 8% |
O Brasil possui a 3ª maior reserva de níquel do mundo, majoritariamente na forma de laterítica (como em Goiás e Pará), que é a mesma forma explorada na Indonésia e nas Filipinas. Isso coloca o país em uma posição estratégica forte.
A tabela abaixo sintetiza a posição global do Brasil para cada mineral:
Mineral | Posição do Brasil no Ranking Global | Participação nas Reservas Mundiais |
Nióbio | 1º Lugar | ~ 95% |
Níquel | 3º Lugar | ~ 16% |
Grafita | 3º Lugar | ~ 20% |
Terras Raras | 4º Lugar | ~ 16% |
Lítio | 6º Lugar | ~ 0,9% (potencial subestimado) |
Cobalto | Fora do Top 10 | ~ 0,1% |
Os dados quantitativos revelam que o Brasil é uma potência mineral de primeira grandeza no cenário global de minerais críticos. O país não é apenas um “detentor de reservas”, mas um líder absoluto em nióbio e um ator de top 5 em níquel, grafite e terras raras.

Produção e Refino: O Verdadeiro Gargalo
Possuir reservas no subsolo é apenas o primeiro passo. O grande desafio, e onde reside o verdadeiro poder geopolítico, está no refino. O processo de transformar o minério bruto em elementos puros e utilizáveis é complexo, caro e ambientalmente desafiador. Envolve o uso de grandes quantidades de água, produtos químicos e gera resíduos radioativos, como no caso das terras raras.
A China não só possui as maiores reservas, mas também investiu maciçamente na capacitação tecnológica para dominar todo o processo de refino. Isso significa que, mesmo que outros países extraiam seus minérios, muitas vezes precisam enviá-los para a China para serem processados, criando uma vulnerabilidade crítica nas cadeias de suprimentos globais.
O desafio estratégico, portanto, não está na geologia, mas na economia e na política industrial. Para converter esse potencial geológico em riqueza e soberania tecnológica, o Brasil precisa:
- Dominar a cadeia de valor: Ir da mineração ao refino e à produção de componentes (e.g., baterias, ímãs, superligas).
- Atrair investimentos em infraestrutura e processamento.
- Implementar uma governança mineral que equilibre a exploração com a sustentabilidade ambiental e social.
Terras Raras e Minerais Críticos são, portanto, muito mais do que simples elementos da tabela periódica. Eles são a base material da Quarta Revolução Industrial e da transição para uma economia de baixo carbono. A concentração de sua produção e refino em um número reduzido de nações representa um risco estratégico para países importadores, impulsionando uma nova “corrida global por recursos”.
Para o Brasil, a existência de reservas expressivas representa uma oportunidade histórica de não apenas se tornar um player global neste mercado, mas também de agregar valor internamente, desenvolvendo tecnologia e indústrias nacionais. O desafio será equilibrar a exploração econômica com a sustentabilidade ambiental e social, garantindo que estes recursos finitos se traduzam em desenvolvimento duradouro para a nação. A era dos metais comuns pode estar chegando ao fim, e a era das Terras Raras e Minerais Críticos já começou.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.
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