Como faço quase todas as manhãs, fui fazer as compras do dia. No estacionamento do Pão de Açúcar da rua Cardoso de Almeida, sou abordado por um homem de seus quarenta anos, maltrapilho, mais trapo que homem, um lúmpen, descalço, barba negra e desgrenhada. Com o que resta de forças na voz fala a esmo: “sou morador de rua… estou com fome… alguma comida…”
Na porta do Pastorinho da rua João Ramalho, uma senhora bate ponto todos os dias. Tem aparência um pouco melhor que a do lúmpen do Pão de Açúcar. A cada cliente que entra, pede comida. Alguma coisa. Qualquer coisa serve. Ou um trocado.
No St.Marché, uma quadra abaixo, ontem mesmo, perto da hora de fechar, uma família – mãe, pai e filha – atravessou o estacionamento. A mulher, magrinha, com um saco às costas, pediu comida para mim.
No cruzamento da rua Caiubi com a avenida Sumaré, enquanto espero o sinal abrir, vejo todo dia um jovem magrinho, de havaianas, jogando bolas de tênis para o ar, como malabares. O cachê é “um trocado”, “vinte centavos, doutor”, “um café”.
São cenas corriqueiras que entristecem São Paulo. A capital financeira do Brasil. A cidade mais pujante da América do Sul. Num bairro que as imobiliárias e construtoras classificam como “nobre”.
Não sei se é assim, melhor ou pior em outros bairros. Mais distantes do centro. Ou em outras cidades mais distantes do litoral. Falo de acordo com o que vejo na minha vizinhança. Quem quer se iludir tem todo o direito. Deve ser mais confortável pensar que está tudo bem porque outro dia o Brasil, de acordo com índices e estatísticas, saiu do mapa da fome.
A realidade, no entanto, insiste em desmentir as estatísticas. E quanto mais se esconde a realidade pior. Porque se está tudo bem não há nada a fazer. E a situação se agrava porque nada se faz.
O Brasil saiu do mapa da fome, mas a fome não saiu do mapa do Brasil.
O Brasil saiu do mapa da fome, mas a fome não saiu do mapa do Brasil – por Alex Solnik

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