A expansão do comércio e do uso de agrotóxicos ilegais no Brasil representa uma das maiores ameaças silenciosas à sustentabilidade ambiental e à segurança alimentar do país. Algumas empresas do setor estimam que um quarto dos defensivos agrícolas utilizados nas lavouras brasileiras seja proveniente de canais ilícitos. Por trás desses números, há um rastro de contaminação que ultrapassa as fronteiras das fazendas, atinge o solo, a água, os animais e, inevitavelmente, o ser humano.
A lógica é simples — e devastadora. Produtos contrabandeados, falsificados ou adulterados não passam pelos atuais filtros de segurança exigidos pelo IBAMA, ANVISA e Ministério da Agricultura, órgãos que garantem que apenas substâncias com toxicidade controlada e eficácia comprovada cheguem ao campo. Ao escapar dessa regulação, os defensivos ilegais se tornam verdadeiras bombas químicas de efeito prolongado: contaminam lençóis freáticos, matam insetos polinizadores, degradam micro-organismos do solo e desequilibram ecossistemas inteiros.
Não se trata apenas de um problema técnico ou de fiscalização. É uma questão ambiental e civilizatória. Cada litro de herbicida clandestino despejado na terra é um ataque direto à biodiversidade e à saúde dos biomas brasileiros. Os resíduos desses produtos, muitas vezes compostos por substâncias proibidas em diversos países, podem persistir por anos no ambiente, acumulando-se nas cadeias alimentares e atingindo toda a vida animal — inclusive o homem.
O impacto é ainda mais perverso quando se observa a cadeia de consequências: o produtor que compra um produto ilegal, muitas vezes sem saber, acredita reduzir custos. Na prática, compromete a fertilidade do solo, destrói inimigos naturais das pragas e provoca a resistência de insetos e fungos, o que exige doses cada vez maiores de químicos. O resultado é um círculo vicioso de degradação ambiental, queda de produtividade e dependência química da lavoura.
Os prejuízos também se estendem à imagem internacional do agronegócio brasileiro. Casos de contaminação de produtos exportados por resíduos não autorizados podem levar a embargos e sanções comerciais, manchando a credibilidade de todo o setor — inclusive dos produtores que atuam de forma correta e sustentável.
Além disso, há um passivo ambiental invisível e duradouro: o descarte irregular de embalagens. Sem o controle de logística reversa, muitas embalagens de defensivos ilegais são queimadas, enterradas ou abandonadas, liberando substâncias tóxicas no solo e nas águas. É um dano cumulativo, silencioso, e de difícil reversão.
Defensivos agrícolas legais passam por até oito anos de avaliação antes de chegar ao mercado. São testados quanto à toxicidade, degradabilidade, impacto na fauna e flora, riscos para o ser humano e tem requisitos específicos de uso. Já o produto ilegal não passa por nenhuma dessas etapas. Em outras palavras, é veneno puro, despejado no meio ambiente sem qualquer controle ou critério.
Combater o mercado ilegal de agrotóxicos é, assim, uma responsabilidade ambiental coletiva. Envolve fortalecer a fiscalização, punir a corrupção que alimenta o contrabando, e sobretudo promover educação ambiental e conscientização no campo. O produtor precisa ser aliado, não cúmplice involuntário, de um sistema que destrói a base ecológica da própria produção agrícola.
Nesse contexto, o Programa Nacional de Rastreabilidade de Agrotóxicos e Afins (PNRA), instituído pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em junho de 2025, por meio da Portaria MAPA 805/2025, representa um avanço significativo.
O programa visa combater o uso de agrotóxicos ilegais e falsificados através de um sistema integrado para rastrear toda a cadeia produtiva e logística dos agrotóxicos, desde a fabricação até o usuário final, promovendo maior transparência e segurança para a saúde pública, o meio ambiente e os consumidores. O Sistema Integrado de Rastreabilidade (SIR) reunirá informações técnicas e logísticas para monitorar em tempo real o fluxo dos agrotóxicos, facilitando a fiscalização.
Passa a ser obrigatório o uso obrigatório de identificadores de rastreabilidade nas embalagens: QR Code, radiofrequência (RFID), IoT e outras que venham a ser criadas futuramente. Essa flexibilidade garante que o controle sobre o ciclo de vida dos defensivos não fique obsoleto e acompanhe a inovação tecnológica, ajudando a isolar o mercado ilegal, proteger o meio ambiente e fortalecer a confiança no agronegócio brasileiro. Esses identificadores conterão informações vinculadas ao produto registrado no SIR, garantindo a autenticidade e facilitando a fiscalização. A rastreabilidade completa e digital possibilita a identificação rápida de produtos ilegais em circulação, com ações de recall mais ágeis e precisas para proteger a saúde pública e o meio ambiente. O programa prevê ainda um aplicativo público para consulta e autenticidade dos produtos, permitindo que consumidores e agentes fiscais tenham acesso rápido a dados essenciais.
O Brasil tem vocação agrícola e responsabilidade ambiental global. Permitir que produtos ilícitos continuem a circular impunemente significa retroceder décadas na construção de uma agricultura sustentável e de uma política ambiental responsável. Essas medidas visam não apenas melhorar a segurança alimentar e ambiental, mas também proteger os produtores e consumidores de produtos nocivos e potencialmente perigosos, além de criar um ambiente de negócios mais justo e regulamentado no setor agropecuário. Não há produção verde possível em um solo contaminado pela ilegalidade.
Adriana de Paiva Correa, especialista em Direito Ambiental e sócia do escritório Verri Paiva Advogadas










