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A estratégia de pressão naval dos Estados Unidos no Caribe e o desgaste multidimensional da Venezuela – por Foch Simão

Este artigo examina a presença naval dos Estados Unidos no Caribe e seus efeitos sobre a Venezuela, analisando o fenômeno a partir das teorias de coerção estratégica, contenção regional e projeção de poder. Argumenta-se que, embora as operações norte-americanas sejam justificadas por finalidades de segurança marítima e combate ao narcotráfico, elas produzem um conjunto de externalidades que configuram um processo de desgaste econômico, psicológico e organizacional para o Estado venezuelano. Esse quadro se insere em uma arquitetura regional de contenção indireta, característica de estratégias hegemônicas de manutenção da ordem hemisférica.

A crescente deterioração das relações entre Estados Unidos e Venezuela nas últimas duas décadas tem consolidado um ambiente estratégico no qual instrumentos militares, diplomáticos e econômicos são empregados de maneira sinérgica. A intensificação das manobras navais norte-americanas no Caribe, especialmente a partir de 2020, reacendeu o debate sobre o uso de poder militar não convencional, isto é, força militar empregada não para guerra direta, mas para fins coercitivos, de sinalização ou contenção.

Embora não existam declarações oficiais indicando um objetivo de rendição ou colapso militar do governo Maduro, a literatura sobre coerção estratégica (Thomas Schelling,1966, Arms and Influence) permite interpretar tais operações como parte de uma pressão contínua destinada a restringir a autonomia política e operacional
da Venezuela.

Schelling define coerção como o esforço de “influenciar o comportamento do adversário por meio da ameaça de custos futuros, sem necessariamente recorrer ao uso direto da força”. A diplomacia coercitiva combina demonstrações militares com sanções econômicas, isolamento diplomático e operações informacionais. No caso venezuelano, a postura norte-americana apresenta características clássicas desse modelo através de pressão sem invasão direta, demonstração de capacidade militar superior, ações complementares no campo econômico e
político e indução de desgaste continuado.

Desde o século XIX uma estratégia de controle das potências hegemônicas é a utilização de offshore balancing para influenciar regiões sensíveis sem assumir custos de ocupação territorial. A presença naval norte-americana no Caribe se alinha a essa lógica de projetar poder à distância, moldar o comportamento de atores regionais e impedir a expansão de rivais extra-hemisféricos (Rússia, China e Irã).

O conceito de exaustão estratégica indica que manter um adversário em constante estado de alerta pode corroer progressivamente sua capacidade organizacional. Esse desgaste ocorre no plano militar (custo operacional contínuo), psicológico (incerteza e vigilância permanente) e econômico (impacto sobre fluxos logísticos e
comerciais).

As operações navais norte-americanas no Caribe combinam patrulhamento, exercícios conjuntos com aliados regionais e interceptações de embarcações suspeitas de tráfico. Tais iniciativas, ainda que oficialmente justificadas por preocupações de segurança, produzem restrições estruturais à mobilidade marítima venezuelana. A presença militar norte-americana gera externalidades que afetam diretamente a economia da Venezuela através da elevação das taxas de seguro marítimo, aumento da percepção de risco para parceiros comerciais, atraso ou redirecionamento de rotas de exportação de petróleo e dificuldade de mobilização logística para importações críticas. O resultado é um estrangulamento econômico indireto, que amplifica o impacto das sanções financeiras já impostas por Washington.

A manutenção de unidades navais dos EUA nas proximidades do mar territorial venezuelano cria um estado de vigilância permanente, que desgasta a cadeia de comando em virtude da necessidade de manter aeronaves e embarcações constantemente prontas, gerando pressão psicológica sobre o alto comando militar, fadiga operacional prolongada e limitação da capacidade de planejamento estratégico de longo prazo. Esse ambiente favorece a formação de um círculo de saturação militar, no qual o esforço defensivo contínuo reduz gradualmente a resiliência institucional.

A ação norte-americana não é isolada, integra uma estratégia regional mais ampla que envolve alianças com Colômbia, Guiana e países caribenhos, fortalecimento da cooperação naval no Atlântico Sul e no Caribe e, por fim, a contenção de parcerias estratégicas entre a Venezuela e potências rivais, cujo o objetivo final é manter a estabilidade do hemisfério ocidental segundo padrões favoráveis à hegemonia norte-americana, conforme estabelecem os princípios clássicos da Doutrina Monroe do século XIX, reinterpretados no século XXI.

A presença naval dos Estados Unidos no Caribe, embora formalmente orientada à segurança marítima e ao combate ao narcotráfico, opera como instrumento de coerção indireta capaz de gerar desgaste econômico, psicológico e organizacional para a Venezuela. Trata-se de uma estratégia de pressão cumulativa que, sem
recorrer ao conflito aberto, limita a autonomia de ação de Caracas no cenário regional e internacional. O caso venezuelano exemplifica o uso de poder militar de baixa intensidade como componente de um arcabouço mais amplo de coerção estratégica, alinhado a práticas históricas de contenção hegemônica no hemisfério ocidental.

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