A contação de histórias, além de oferecer acolhimento e atenuar os desconfortos relacionados à internação hospitalar, pode ser uma importante ferramenta de despertar para os estudos, enquanto estimula a cognição e a criatividade. Já as classes hospitalares são uma alternativa para garantir a continuidade do aprendizado, ou mesmo o primeiro acesso, de crianças e adolescentes impossibilitados de frequentar a escola por motivo de doença. É um direito previsto em lei e reconhecido como parte do processo de inclusão educacional no Brasil.
Embora ainda pouco difundida, essa modalidade tem fundamental importância para que o período de internação não represente uma ruptura de desenvolvimento, mas uma adaptação responsável, que respeite as condições de saúde sem abrir mão do acesso ao conhecimento. Atender estudantes hospitalizados vai além de manter o vínculo com os conteúdos escolares, oferecendo estrutura cognitiva, autonomia e perspectiva de futuro durante um momento delicado. É, acima de tudo, uma política que reconhece que crianças e adolescentes continuam sendo alunos, mesmo longe da escola, e que, com o suporte adequado, podem seguir planejando seus projetos de vida.
A história do paciente Lucas Gabriel Barbosa dos Santos reforça o impacto real dessa inclusão educacional. Em junho de 2011, ele deu entrada no hospital com suspeita de pneumonia e nunca mais saiu. Ele foi diagnosticado com Síndrome de Pompe, doença genética rara e degenerativa que o fez perder todo o movimento corporal do pescoço para baixo. Ele passou toda sua infância e juventude internado, dependente de ventilação mecânica e totalmente imobilizado. Apesar das limitações físicas, encontrou na contação de histórias e no atendimento pedagógico hospitalar uma forma de se conectar ao mundo, demonstrando grande interesse pela leitura e, posteriormente, pela escrita.
Ler o ajudou a compreender sua própria trajetória e, ao mesmo tempo, projetar objetivos que pareciam, inicialmente, inatingíveis. Seu desempenho e dedicação resultaram em conquistas significativas, como a alfabetização ainda no hospital e a preparação para o Encceja. Em apenas quatro meses, Lucas Gabriel estudou o conteúdo equivalente a oito anos do Ensino Fundamental e obteve aprovação. Essa conquista serviu como referência para outros estudantes em situação hospitalar, além de provocar reflexões sobre políticas públicas mais robustas, ampliação de programas e investimentos em equipes especializadas. Os estudos permitiram que ele sonhasse, queria tornar-se físico, como seu ídolo, Stephen Hawking, mas ele faleceu antes disso, aos 19 anos de idade.
Sua história, porém, não se encerrou com a sua graduação ou sua partida, ela seguirá adiante para inspirar outros jovens e crianças hospitalizadas. Sua trajetória inspirou o documentário intitulado Os Contadores de Histórias: Um Legado de Amor e Inspiração, atualmente em fase de captação de recursos. A produção narra seus desafios e, principalmente, a força da educação inclusiva enquanto ferramenta de autonomia, uma importante peça de sensibilização social, acadêmica e governamental, contribuindo para ampliar o debate sobre o tema.
O legado deixado por Lucas Gabriel e pela atuação das classes hospitalares reforça um ponto essencial: educação não é um privilégio condicionado à saúde. É um direito que acompanha a vida. Onde existe uma criança aprendendo, seja na escola ou em um leito hospitalar, há também a construção de cidadania, dignidade e oportunidade.
* Luciana Bernardo é diretora Executiva da Associação Viva e Deixe Viver












