Círio de Nazaré é a maior festa católica do Brasil, quiçá do mundo. Milhões
O evento religioso e cultural me remete a um episódio curioso, contado por um dos protagonistas e que repito aqui. Poderia chamar-se de “A conversão”. Só não terá o mesmo sabor de ouvi-lo, pois quem o narrou é exímio contador de histórias, pela ênfase nas palavras, nas pausas dramáticas, no humor.
Vou tentar.
Dez irmãos chegaram à idade adulta, todos com rígida formação católica. Família longeva, na qual passar dos 90 é normal e esperado. Até que chegou a vez de um dos irmãos do meio. Consternação dos demais.
Dois dos mais jovens, já além dos 80, foram cedo ao velório. Olha daqui, observa dali, o penúltimo da linhagem detectou o que o incomodava. Virou-se para o outro e lhe disse: “Mano, vistes que não tem o crucifixo na cabeceira do caixão?”
“Verdade. Não havia percebido. O que será que houve?”
“Para mim, é falha do serviço funerário. Vou reclamar. Justo o crucifixo?!”
Nisso, intervém a sobrinha, única filha do falecido e que ouviu o diálogo.
“Tio, fomos nós que abrimos mão do crucifixo. Nossa fé dispensa esse objeto.”
“De que fé tu falas, minha filha?, disse o tio mais indignado.
“Somos cristãos evangélicos, assim como era meu pai.”
“Seu pai era católico, como nossos pais e todos os irmãos.”
“Mas ele aceitou Jesus na hora da morte.
“Ele aceitou Jesus quando foi batizado.”
Dito isto, foi buscar o crucifixo e o colocou atrás do caixão. Ufa!
Mas, desconfiado de que o episódio não terminaria ali, pegou o celular, ligou para um padre amigo e pediu-lhe que fosse correndo para o velório.
O padre chegou segundos antes do pastor, abriu o breviário e, com autorização dos manos e cara de reprovação do sobrinha, deu a extrema unção. Depois, orou o pastor.
A história acabou ali, com 2 a 0 para os tios? Claro que não. Os dois irmãos nem esperaram a chegada de outras três e voaram para o cemitério. Outra vez, chegaram antes da “turma de lá”. Na hora de colocar o caixão no túmulo, o padre encomendou a alma. Depois, foi o pastor.
Então, já estavam cinco irmãos, que fizeram o sinal da cruz, rezaram Pai Nosso, Ave Maria, deram Viva para a Virgem de Nazaré e foram embora com o seguinte comentário: “Nosso irmão sempre teve Jesus no coração. Que conversa é essa de conversão?!”
A sobrinha, de longe – e no fundo – admirava a união dos tios.