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A geração que não se permite sentir – por Bruna Gayoso

O preço invisível do fechamento emocional e a armadilha da positividade tóxica

Vivemos uma época em que sentir tornou-se um ato de coragem  e amar, uma provocação. A geração atual parece não se permitir isso. Não se permite sentir, não se permite amar, mas se permite julgar, criticar e condenar. Nesse cenário, a positividade tóxica se tornou a máscara perfeita para essa negação do que é humano, impondo a obrigação de estar “bem” o tempo todo, de esconder a vulnerabilidade sob o risco de ser visto como fraco ou “emocional demais”. O impacto disso vai muito além da superfície: é um custo alto para a saúde mental individual e coletiva.

Sentir virou risco; amar, virou crítica

Em uma cultura que exige o sorriso constante e a aparência de controle, emoções complexas como tristeza, medo, raiva ou mesmo amor são reprimidas. Demonstrar afeto virou sinônimo de exagero, demonstração de fraqueza ou carência. Amar demais é motivo de crítica. A vulnerabilidade, que deveria ser o alicerce das relações humanas, passou a ser um motivo para julgamento.

Essa positividade tóxica essa pressão para estar sempre “bem”  não nega só a dor, ela nega a autenticidade. Faz da saúde mental uma vítima silenciosa que paga o preço do sofrimento oculto, da solidão escondida atrás do sorriso forçado.

A armadilha da negação

Negar emoções não faz com que desapareçam. Pelo contrário: a supressão emocional mantém o sistema nervoso em estado de alerta constante, abrindo espaço para ansiedade, irritabilidade, depressão e doenças psicossomáticas. O cérebro, privado da expressão autêntica do sentir, se desorganiza. A pessoa se afasta de si mesma, de seus sentimentos e do outro.

Enquanto isso, o julgamento externo cresce como uma válvula de escape para o vazio interno. Apontar os erros alheios é mais fácil do que enfrentar o próprio desconforto. Mas esse comportamento alimenta ciclos de hostilidade, isolamento e sofrimento.

As consequências para a saúde mental: o custo silencioso do fechamento emocional

A repressão das emoções e a imposição da positividade tóxica desencadeiam um conjunto de consequências que afetam profundamente o funcionamento psicológico e neurológico da pessoa. O corpo e a mente não operam em compartimentos isolados  o impacto dessa dinâmica é biopsicossocial, e merece ser entendido em sua complexidade.

Ansiedade e estresse crônico

Quando sentimentos são reprimidos, o sistema nervoso autônomo se mantém em constante estado de alerta. A pessoa vive uma tensão persistente, como se estivesse sempre preparada para uma ameaça  mesmo que inexistente. Essa ativação contínua do sistema de “luta ou fuga” provoca desgaste físico e mental, dificultando o relaxamento, o sono e a concentração.

A ansiedade torna-se crônica, e com ela vêm sintomas como irritabilidade, palpitações, dores musculares e sensação constante de inquietação.

Depressão e desmotivação

A negação do sofrimento impede o processamento saudável das emoções, criando um acúmulo de tristeza e desesperança. Com o tempo, essa sobrecarga emocional pode evoluir para a depressão  um estado marcado pela perda de interesse, fadiga, sentimentos de inutilidade e isolamento social.

A depressão, por sua vez, aprofunda o ciclo de desconexão, dificultando a retomada do contato consigo mesmo e com os outros.

Doenças psicossomáticas

A conexão mente-corpo é fundamental: emoções reprimidas podem se manifestar no corpo através de dores crônicas, distúrbios gastrointestinais, enxaquecas e outras condições físicas sem causa orgânica aparente.

Esses sintomas físicos são um grito silencioso de que algo está desequilibrado no campo emocional.

 Dificuldades nos relacionamentos

O fechamento emocional fragiliza a empatia e a capacidade de conexão verdadeira. As relações se tornam superficiais, marcadas por conflitos, mal-entendidos e afastamentos. A solidão se instala mesmo em meio a multidões.

Baixa autoestima e autocrítica severa

A positividade tóxica promove a ideia de que sentir tristeza, raiva ou medo é falha pessoal, o que gera autocrítica exagerada e sentimento de inadequação. Isso mina a autoestima e a autoconfiança, criando um terreno fértil para a autossabotagem e o sofrimento silencioso.

O desafio da autenticidade e do amor

Romper com essa lógica exige coragem: a coragem de se permitir sentir, de ser vulnerável, de amar sem medo do julgamento. O amor, em suas formas mais genuínas seja amor-próprio, familiar, romântico ou comunitário é o antídoto para a crítica e o isolamento.

Aceitar a própria complexidade, a dualidade de emoções boas e ruins, é um passo essencial para a saúde mental. Amar e sentir não são sinais de fraqueza, mas a base da existência humana.

Para além do individual: um chamado coletivo

Essa é uma causa coletiva. Precisamos transformar instituições, escolas, famílias e ambientes de trabalho em espaços que valorizem a vulnerabilidade, a empatia e o acolhimento. Só assim construiremos uma geração capaz de viver com profundidade, que não julga o outro para se proteger, que cria vínculos verdadeiros e caminha para uma saúde mental sustentável.

Sentir é resistência. Amar é revolução. Julgar e criticar sem autoconhecimento é a prisão mais cruel que podemos impor a nós mesmos. E essa positividade tóxica a obrigação de estar “bem” o tempo todo é o veneno que nos impede de sermos plenamente humanos.

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