Às vésperas da estreia do Brasil na abertura da Copa da Alemanha de
1974, contra a Escócia, em Frankfurt, a Seleção Brasileira treinava na
Floresta Negra. Boa parte dos jornalistas se hospedou em um hotel
próximo à concentração dos jogadores, junto ao lago Titisee, na região
conhecida como Neustadt.
Terminado o treino, feitas as reportagens, eu e meu companheiro Flávio
Adauto, que trabalhávamos na Folha de S. Paulo, voltamos ao hotel. E no
corredor, antes de entrarmos em nosso apartamento, fomos chamados
para outro lugar.
Nele estava a equipe da Rádio Gazeta: o repórter Geraldo Blota (GB), o
comentarista Barbosa Filho e o narrador Milton Peruzzi. Faziam uma
gravação: era uma abertura de transmissão de futebol. Mal entramos no
apartamento e veio o GB em nossa direção, microfone em punho: “Alô
Peruzzi, aqui estão os repórteres da Folha de S. Paulo…”
Blota foi nos entrevistando sobre os preparativos do Brasil para a estreia
na Copa. Só depois percebemos: os três falavam como se estivessem no
estádio. A equipe da Gazeta preparava a abertura do Mundial, os
momentos anteriores ao jogo Brasil x Escócia. Peruzzi enviou a gravação
para a emissora paulista por telefone. E no dia do jogo os três foram
tranquilos para o estádio. Livres de eventual risco de algum problema
técnico no início da transmissão.
Esperteza do incrível Milton Peruzzi, sempre muito falante, alegre,
descontraído, inteligente, contador de histórias, piadista, cantor, um
jornalista, que deixou saudades.
Durante anos, Peruzzi comandou com muita competência a “Mesa
Redonda Futebol é com 11″, na TV Gazeta de São Paulo e o programa
esportivo radiofônico “Disparada no Esporte”, na Rádio Gazeta. Seu auge
ocorreu entre os anos de 1970 a 1980.
Algumas de suas outras criações:
E tudo acabou em pizza
Hoje a expressão “tudo acabou em pizza” está na boca do povo, está
enraizada, é muito utilizada pela mídia, principalmente para mostrar
frustração quando o resultado de uma reunião ou julgamento não deu em
nada, não alcançou os resultados esperados ou não correspondeu às
expectativas.
Mas, como surgiu a expressão? Em qual circunstância? Tem gente que
sabe; gente que desconhece. A história não é novidade. Porém não é todo
mundo que conhece o autor da frase. E como tudo aconteceu. O autor foi
Milton Peruzzi.
Ele trabalhava no jornal A Gazeta Esportiva e era setorista do Palmeiras.
Ou seja: fazia a cobertura diária do que ocorria no clube para o mais
importante jornal esportivo do país.
Década de 1960. Havia uma crise política no Palmeiras envolvendo os
dirigentes Ferrúcio Sandoli, Delfino Facchina, Arnaldo Tirone, Nicola
Racciopi, Nelson Duque, Brício Pompeu de Toledo, Francisco Hipólito,
Palcoal Giuliano e muitos outros. O ambiente no Parque Antártica e na rua
Turiassu era de agitação.
Cartolas discutiam em todos os cantos, enquanto internamente era
realizada reunião do COF (Conselho de Orientação e Fiscalização). Após
horas de agitadas discussão houve uma paralisação. Alguém sugeriu que
todos fossem para a cantina Genovese, à época na avenida Pompéia, onde
os grupos contendores acabaram entrando em acordo. Peruzzi telefonou
para a redação do jornal, passou informações e sugeriu a manchete: “Crise
no Palmeiras terminou em pizza”.
A frase pegou, virou bordão e é usada até hoje. Milton Primo Pierini
Peruzzo, seu criador, morreu em 2001. O Palmeiras, em reconhecimento
ao profundo amor do jornalista pelo clube, deu seu nome à Sala de
Imprensa da Academia de Futebol, em 2008.
A conquista dos vistos
Outro episódio ocorreu na excursão da Seleção Brasileira por países
africanos e europeus. em 1973, nos preparativos da equipe do técnico
Mário Lobo Zagallo para a Copa da Alemanha, no ano seguinte. A
embaixada da Rússia (União Soviética na época) em Brasília perdeu-se
com o grande pedido de “visto” de 123 jornalistas brasileiros que
pretendiam ir a Moscou. E pelo menos 17 profissionais de São Paulo
deixaram o país sem a autorização de entrada na Rússia. Eu fui um deles.
Todos empurraram o problema com a barriga ao longo da excursão, que já
havia passado por Argel, Túnis e Roma. Mas quando o grupo se
encontrava em Viena e ainda não havia resposta das autoridades
soviéticas, os jornalistas brasileiros começaram a temer pela sorte. Como
repórter da Folha de S. Paulo e incluído entre os ‘sem-visto’, eu não
escondia minha preocupação. Afinal, após Viena viria o jogo de Berlim e
em seguida o amistoso de Moscou.
E na capital austríaca, todos os jornalistas que não tinham o “visto” foram
reunidos por Peruzzi e resolveram pressionar a embaixada russa. Grupo
formado, Milton Peruzzi apelou a Pelé. Com uma foto do craque
brasileiro, devidamente autografada, “invadiu” a sala do embaixador,
sendo seguido pelos demais jornalistas. Falou um pouco em inglês, um
pouco em francês, explorou ao máximo o italiano, que dominava, e entre
abraços de todos e de “vivas” ao futebol brasileiro e a Pelé, conseguiu o
tão esperado documento para todos os jornalistas.
Pegadinha deu certo
Conheci Milton Peruzzi quando estava iniciando minhas atividades de
jornalista e guardei na memória alguns episódios marcantes de nossos
encontros. Em um deles, ainda “foca”, em 1964, fui designado pelo editor
Walter Lacerda, do Diário Popular, para acompanhar a equipe do
Palmeiras em três jogos no Mato Grosso.
Na primeira noite, Peruzzi comandava uma roda de dirigentes do clube
contando casos e piadas no saguão do hotel. Bem mais tarde, quando
todos se recolheram, Peruzzi foi à recepção do hotel e passou a bater com
força nas teclas de uma máquina de escrever. Como tudo estava em
silêncio, o barulho ecoava por todos os cantos.
Inexperiente, fiquei preocupado, tentando imaginar o que o jornalista da
Gazeta estava escrevendo se até então não ocorrera nada de especial. Na
manhã seguinte soube que Peruzzi havia preparado uma “pegadinha”
para mim e que não redigira nada para o seu jornal. E ele se divertiu.