A curiosa pergunta “Quem tem medo do feminismo negro?” dá nome a um livro da filósofa Djamila Ribeiro e tem tudo a ver com algumas reflexões que precisamos fazer.
A obra reúne um longo ensaio autobiográfico inédito e uma seleção de artigos publicados por Djamila no blog da revista CartaCapital, entre 2014 e 2017.
Mais do que sugerir a leitura, precisamos refletir se você também tem esse mesmo medo.
Entendo que em um primeiro momento, essa pergunta soa quase como uma provocação. Mas essa é uma provocação com respeito, para que ao final da leitura desse artigo você possa rechaçar ou reforçar a sua própria postura e entendimento sobre o tema.
Ter medo do feminismo negro significa ter medo de quebrar essa visão míope das discussões de gênero como alçada exclusiva das mulheres brancas.
O feminismo negro surgiu porque mulheres negras se posicionaram em contraposição ao feminismo hegemônico, que não contemplava as pautas e vivências das pretas e pardas. Segundo as precursoras desse movimento, a agenda feminista considerava apenas os interesses de uma minoria, mulheres brancas de classe média.
Um dos nomes fundamentais na criação do feminismo negro foi Kimberlé Williams Crenshaw, uma mulher negra, defensora dos direitos civis, norte-americana, nascida em 1959. Ela cunhou o termo interseccionalidade, que se propõe a discutir a forma como diversas minorias podem sofrer de mais de uma discriminação de uma vez. Mulheres negras sofrem preconceito devido à raça e devido ao gênero e, muitas vezes em relação a questões de classe social também.
Ter medo do feminismo negro significa tapar os olhos para uma realidade que grita quando vemos a pirâmide de exclusão social, onde mulheres negras ocupam o final da cadeia. Para se ter uma ideia, o IBGE constatou que em 2018, o rendimento médio das mulheres negras foi menos de 60% do rendimento das mulheres brancas. Quando comparadas aos homens brancos, esse indicador é inferior a 45%.
Ter medo do feminismo negro significa negligenciar a maior parte da nossa demografia enquanto Brasil. Afinal, as mulheres negras compõem o maior grupo populacional do nosso país, com um total 60,6 milhões, sendo 11,30 milhões de mulheres pretas e 49,3 milhões de mulheres pardas. Elas respondem por mais de 28% da população total, conforme o IBGE.
Ter medo do feminismo negro significa desconsiderar a urgência dessa pauta que passa, inclusive, pela manutenção da vida dessas mulheres. Para se ter uma ideia, no Brasil, no ano de 2022, 61,1% das vítimas de feminicídio foram de mulheres negras, enquanto 38,4% foram de mulheres brancas, de acordo com o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo FBSP (2023).
Um outro dado alarmante é o racismo obstétrico onde, novamente, mulheres negras são as maiores vítimas. No Brasil, 60% das vítimas de mortalidade materna são negras (pretas e pardas) e 34% são brancas, segundo o Ministério da Saúde. Os números refletem o óbito durante a gravidez, o parto e o aborto. Isso acontece porque historicamente as mulheres negras são vistas como mais resistentes a dor e menos merecedoras de cuidados durante o momento de dar à luz. Sobre esse assunto, é importante citar o médico James Marion Sims, um estadunidense que nasceu no Condado de Lancaster, em 1813, e que viveu até 1883. Ele foi um pioneiro no campo da cirurgia, conhecido como o “pai da moderna ginecologia”. Ele utilizou mulheres escravizadas afro-americanas como cobaias no desenvolvimento dos seus estudos, tendo feito, inclusive, cesáreas nessas mulheres sem uso de anestesia.
E na contramão de tudo isso, temos inúmeros benefícios quando nos posicionamos como aliados do feminismo negro. Talvez o principal deles seja poder contemplar as demandas e reivindicações da maior parte da população brasileira, que é composta, justamente, por mulheres negras, cujos dados já mencionei. Um outro benefício muito importante a ser considerado é o impacto que podemos ter quando trazemos essas mulheres para uma posição de protagonismo, já que certamente iremos alcançar e beneficiar famílias inteiras. Conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 90% das mulheres que se tornaram mães solo no Brasil, nos últimos 10 anos, são negras. Não é à toa que a filósofa e professora estadunidense Angela Davis afirmou: “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
Então, é tempo de rompermos com o ciclo do silenciamento histórico das mulheres negras. Somente assim promoveremos acessos e ouviremos outras vozes até então caladas por um sistema que excluiu por séculos esse grupo social tão importante para o país sob vários prismas.
Por tudo isso, vemos que é hora de cada um de nós parar e se perguntar: Será que eu tenho medo do feminismo negro?
Se a resposta for sim, é fundamental ser proativo do conhecimento e procurar ler, ouvir, acompanhar e se aproximar das negras que estão, desde sempre, lutando para mudar essa realidade e romper com o machismo e o racismo estruturais. Com certeza você não será o mesmo depois de se abrir para conhecer as suas pautas, anseios e reivindicações. Mas corra, porque isso é pra ontem!
*Tânia Chaves é palestrante, professora e LinkedIn Top Voices Equidade de Gênero. Ela é graduada em comunicação e especializada no uso de tecnologias em comunicação social. Tem mais de 30 anos de atuação nas áreas de publicidade e marketing. Atualmente está especialista em diversidade e inclusão na Globo e é fundadora da Academia de Diversidade, onde já formou mais de 100 alunos. Tânia acredita que negócios que contemplam a diversidade, a equidade e a inclusão são mais inovadores, criativos, sustentáveis e lucrativos.