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Lembranças – por Milton Parron

Minha atividade profissional voltada para a reportagem geral, e não apenas focada nos esportes como até então, começou em 1965, inicialmente como setorista no Departamento de Investigações (atual DEIC) cobrindo licença do saudoso Clécio Ribeiro, à época, recém casado em gozo de lua de mel. Fiquei uns dois anos “pagando pau” (primeira gíria que aprendi na nova função) para os veteranos jornalistas credenciados naquela repartição onde estavam localizadas as delegacias especializadas e, também, o gabinete do secretário de Segurança Pública.

Entre outros veteranos jornalistas no setor, dos quais me recordo com muita saudade e profunda reverência, ressalto os irmãos Vieira, Orlando Criscuolo, Antonio Soares, Spaghetti, Gomes Talarico, João Bussab, o próprio Clécio Ribeiro e alguns outros.

O Esporte e a Polícia são duas editorias nas quais todo jornalista deveria estagiar por uns tempos, são verdadeiras escolas. Novato como eu, também carregou o ônus da inexperiência naquela sala de imprensa um dos companheiros mais digno e competente com o qual trabalhei durante anos, embora em empresas concorrentes, Renato Lombardi. Na época o Renatinho era contratado do jornal Notícias Populares. Tenho clara na lembrança que os veteranos, quando o noticiário estava fraco, matavam o tempo na sala de imprensa jogando crépe (dados) ou vinte e um (baralho).

Certo dia, em meados de 1965, tendo desaparecido os dados que ficavam na gaveta de uma das mesas, Gil de Avilé, também saudoso companheiro apelidado Beija-Flor e que era setorista no QG da Força Pública e tinha ido ao DI para resolver alguma pendência, a pedido dos mais antigos, inocentemente foi até a sala dos investigadores da Delegacia de Jogos e Costumes, que era vizinha à de Imprensa, para pedir emprestados alguns dos muitos dados lá armazenados, produtos de apreensão. Beija-Flor, distraído e despachado, nem ligou para a presença do “majura” que lá se encontrava e que era simplesmente o delegado titular da referida especializada e, mais que isso, um dos maiores “linha dura” da polícia civil daqueles tempos, Renan Bastos. Desnecessário dizer que além de negados os dados o delegado aos gritos mandou fixar imediatamente no lado externo da porta da sala de imprensa um comunicado proibindo o jogo em todo o prédio, consequentemente, também naquele local.

Poderia ter proibido de forma discreta, mas preferiu o exibicionismo e se deu mal porque jornalista também não é flor que se cheire, e eu me incluo, e a resposta foi imediata. Em 15 minutos várias mesas de nossa sala foram, por nós mesmos, removidas para a calçada em frente ao prédio, com suas respectivas máquinas datilográficas – computador naqueles tempos só em filmes de ficção. Como a notícia chegou ao Palácio dos Bandeirantes não sei, a verdade é que o governador Adhemar de Barros, cientificado de que um grupo de jornalistas protestando contra algo, tinha montado seus postos de trabalho no meio da rua em frente ao gabinete do próprio secretário de Segurança, ligou para Cantídio Sampaio, titular da referida pasta, que desceu ofegante ao nosso encontro acompanhado por um batalhão de assessores: “mas o que é que está acontecendo aqui?” e como resposta o companheiro Criscuolo mandou que ele subisse à sala de imprensa para ler o comunicado lá fixado.

No final da tarde, as mesas subiram de volta, devidamente carregadas por servidores da própria delegacia. O comunicado estava no mesmo lugar, porém, com um adendo assinado de próprio punho pelo secretário Cantídio Sampaio: Sem efeito. Delegado de grande estatura moral, Renan Bastos não aceitou a decisão de seu superior e alguns dias mais tarde estava destituído do cargo sendo designado para assumir a titularidade do 33° Distrito Policial recém criado na Vila Mangalot.

Sei que o relato não me enaltece, e nem é esse o objetivo, mas, entendo que ao repórter não é dado o direito de guardar para sí os fatos que testemunhou.

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