Desde a infância conservo o hábito diário de ler. Diziam na família que, ainda criança, folheava “O Estado”, presença diária na casa da família em Capivari, por ser o meu pai, Ulysses do Amaral Pinto, um dos poucos assinantes da cidade. Aos sábados recebíamos “O Correio de Capivari”, editado por Flávio Stein de Proença, com a ajuda do filho Francisco, conhecido como Kike.
“O Estado” era representado pelo rábula Francisco Luiz Gonzaga, conhecido como Dr. Gonzagão, pai de D. Cininha, professora do Grupo Escolar Augusto Castanho. Teve um filho, o Dr. Chiquito, morto ainda moço em circunstâncias trágicas. O dr. Gonzagão era eloquente orador no Tribunal do Juri. Lembro-me dele, já no final da vida, caminhando pela Rua Tiradentes. Com a morte do Dr. Gonzagão, o jornal passou a ser representado pelo poeta Eduardo Maluf.
A minha primeira mestra foi D. Nenê Fiuza, filha do seu Fiuza, herói da Guerra do Paraguai. A escolinha ficava próxima à residência e casa fotográfica dos meus pais, na mesma Rua Tiradentes. Fui matriculado aos cinco anos de idade, acompanhando a irmã Zulma, um ano mais velha.
Desde então cultivo o hábito da leitura. Apesar das dificuldades financeiras, meus pais não deixavam os filhos sem livros. Em bom estado conservo o álbum Brasil de Outrora, com desenhos e legendas de Belmonte, editado pela Companhia Melhoramentos de São Paulo, que me foi presenteado no Natal de 1945. Mantenho, também, livros infantis de Monteiro Lobato, como Geografia de D. Benta e a História das Invenções, que me foi oferecido pela tia Ivone, em janeiro de 1947. E dessa época a História Dum Quebra Nozes, de Alexandre Dumas.
Cidade de pequeno porte, Capivari tinha duas papelarias, onde eram encontrados cadernos e edições escolares. Uma pertencia a D. Benedita de Carvalho e a outra ao sr. Francisco de Assis Conforti, conhecido como Confortinho. Preservo o livro Últimas Românticas, do poeta Joao Batista Prata, prefaciado por Menotti Del Picchia. A edição é de 1947. Foi adquirido por meu pai, ao preço de Cr$ 20,00. De Rodrigues de Abreu tenho Obras Completas e A Sala dos Passos Perdidos.
Após concluir o curso primário, em 1948 prestei exame de admissão e ingressei no Ginásio Estadual de Capivari. As salas de aula não eram mistas, mas separadas para alunos do sexo feminino e masculino. O mesmo acontecia durante o intervalo para recreio. Meninos e meninas compareciam uniformizados. Era absoluto o respeito ao diretor, professores, funcionários. Não se toleravam desobediências. Ao indisciplinado se aplicava pena de suspensão, registrada no boletim, para conhecimento dos pais.
Fui aluno mediano. Fiquei para exame de segunda época uma única vez. Lia tudo quanto me caia às mãos. O ginásio possuía biblioteca. Do ginásio ao curso científico, e à Faculdade de Direito da PUC de Campinas, a carreira prosseguiu sem grandes sobressaltos, sempre como aluno esforçado, mas apenas razoável.
Ao me bacharelar pela Faculdade de Direito, e me inscrever na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo, me vi obrigado a optar entre a profissão de fotógrafo, aprendida com o meu pai, que a aprendera com o meu avô Juca Pinto, e a desafiadora advocacia. Deixe a Rolleiflex e comecei a advogar em 1961. A profissão me levou à política, ao Ministério do Trabalho, ao Tribunal Superior do Trabalho.
Aos 88 anos, observo, entristecido, o crescente abandono do hábito da leitura. Jornais impressos são lidos por pessoas com idade média de 70 anos. Revistas, outrora poderosas, acusam contínua redução da tiragem. As manifestações pelas redes sociais denunciam o precário conhecimento da língua portuguesa. Surge, de forma sub-reptícia, novo idioma ou dialeto, desenvolvido no interior daquilo que peço licença para dar a denominação de tribo.
É lamentável o desábito da leitura. Não vejo necessidade de ir a Luís de Camões, Alexandre Herculano, aos padres Antônio Vieira e Manoel Bernardes. É fundamental, entretanto, conhecer Machado de Assis, Eça de Queiroz, a Oração aos Moços e Réplica, de Rui Barbosa, Os Sertões de Euclides da Cunha, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, Retrato do Brasil, de Eduardo Prado.
As primeiras incursões pela imprensa ocorreram quando advogava para sindicatos. Incentivado por Antônio Carlos Felix Nunes, jornalista de Notícias Populares, comecei a escrever coluna semanal de 20 linhas e 60 toques, sobre matéria trabalhista. Aprendi, então, o poder da síntese. A saudosa jornalista Dad Squarisi, do Correio Braziliense, não se cansava de ensinar que escrever bem é cortar palavras.
Todo advogado deveria procurar escrever para jornais, onde os espaços são rigorosamente limitados pela editoria. É a melhor maneira de se habituar a redigir com clareza e simplicidade.