A pequena praça José Giudice, em Miracema, minha Santa Terrinha, é também, e talvez mais, conhecida por Praça dos Boemios. Porque ali, do lado direito de quem segue pela rua do Café, ficava o Farid.
Mais do que um boteco tomado por teias de aranhas, Farid era o “restaurante” dos notívagos, servindo sucolenta sopa de macarrão e carne, que ia ficando rala com a adição de mais água e sal – e só
E, claro, o prato principal, preparado após as 22 horas – bife de pernil na chapa, com arroz branco soltinho, pimenta a gosto e cachaça, servida pelo próprio frequês, em copinhos limpíssimos.
Mais que o sabor de seus bifes, Farid era o ponto onde os doutores da cidade se reuniam para discutir política, local e nacional: Amadeu, Julinho, Danilo Cardoso. Abria às 18 e fechava às 6.
Mas, a pequena praça José Giudice poderia também ser conhecida como a praça Vendôme, ou Madeleine, ambas em Paris, ponto alto das grandes marcas da moda francesa – Dior, Chanel, Cartier…
É que, nela, à esquerda na direção do hospital, ficava o “atellier” de madame Cecília, minha mãe. Modista de alta classe, costurava para a classe alta da cidade. O que incluia Maria Alice Barroso.
Ninguém menos que Maria Alice Giudice Barroso Soares, neta do José. Jornalista, escritora premiada – 2o lugar no Prêmio Walmap, com o romance Um nome para Matar – vários prêmios Jaboti.
Autora de 10 livros, entre eles Quem matou Pacífico, a obra de Maria Alice Barroso, rompe as fronteiras da nossa pequena Miracema, ao tratar das mazelas políticas da região. Retrata, com fidelidade, o que também ocorre nesse imenso Brasil.
Nosso orgulho de miracemense, se vestia com minha mãe, quando vinha do Rio, onde morava, com sua mãe Aurora. Se minha lembrança infantil não falha, tinha os joelhos mais bonitos que da Nara Leão.
O mesão de mais de 2 m de onde minha mãe comandava, às vezes, até 10 funcionárias, ficava junto à janela que dava para a praça. E era comum “amigas” darem uma paradinha para um dedo de prosa.
Uma delas, Gerusa, que vinha de uma das fazendas pelos lados dos Mouras, e deu a filha Primavera, irmã mais nova de Fé, Esperança, Caridade e Simplicidade, para minha mãe batizar, não falhava.
E o diálogo era sempre o mesmo. “O que você está fazendo que não vai para casa”, indagava minha mãe. E ouvia que estava esperando o pão da padaria do Argentino dormir.
Argentino, casado com Mariza Damasceno, era brincalhão. Quando os fregueses mais humildes pediam pão dormido – vendidos mais barato – ele dizia que ainda estavam cochilando, que voltassem mais tarde
Quem visitar os arquivos de nossa Paróquia vai saber que o manto que cobre Nossa Senhora na procissão do encontro, na Semana Santa, foi feito por minha mãe. Assim como a roupa de gregas vestida pelas alunas do Colégio Miracemense nos Jogos da Primavera, em Niterói, a capital.
Um belo dia apareceu uma cliente nova, levando uma peça inteira de tecido branco para o vestido de noiva. Folheou bem as revistas francesas e fez a escolha. Como ia sobrar muito tecido, minha mãe indagou o que ela queria que fizesse com a sobra, e ouviu:
“A senhora enfia no rabo’.
Foi a noiva vestida de calda mais longa que provavelmente já entrou na nossa Igreja de Santo Antonio.