Quando me apresentei para o serviço militar, em 1959, num quartel do Exército que ficava na rua Conselheiro Brotero, região da Barra Funda, minha primeira impressão foi a de que todos os jovens de minha classe tiveram a ideia de se apresentar no mesmo dia e no mesmo quartel, por causa da tamanha multidão ali reunida. O sentimento que predominava entre todos nós era o de apreensão, medo mesmo, afinal, a única carência que o Brasil jamais teve foi a de boateiros. Diziam que teríamos de ficar todos nus numa sala apertada para se submeter aos exames médicos, outros falavam que a maioria de nós nem voltaria para casa, seríamos encaminhados aos alojamentos. Por essa razão, muitos portavam mochilas, outros, pequenas malas com “mudas” de roupa e, além disso tudo, a certeza de que seríamos tratados com fineza e educação, que são características especialmente dos sargentos que recebem ordens diretas dos oficiais e descontam a frustração nos coitados dos recrutas.
Reunidos num grande pátio, em silêncio, começamos a ouvir as orientações de um tenente que se utilizava de um megafone tão antigo e tão ruim que nada se compreendia do que ele falava. Depois de 15 minutos de discurso impositivo, onde nos revelou todos os capítulos e artigos constantes dos manuais das três Forças Armadas, ele gritou a todo pulmão:
– Alguma pergunta?
Podia-se ouvir uma mosca voando pelo tamanho o silêncio que se fez. Em seguida, mandou que levantassem as mãos aqueles que tinham o primário completo, e em seguida, que levantassem as mãos os que estivessem cursando o ginásio, depois o científico, o clássico, e por fim, mandou que dessem um passo à frente aqueles que sabiam “escrever a máquina”. Eu sabia tanto quanto sei hoje, no máximo, manejar o teclado de um computador com apenas os dois dedos indicadores, mas, assim mesmo, me atrevi a dar um passo a frente.
Foi o meu erro, porque juntamente com os outros 12 bobalhões, fomos convocados a “voluntariamente” preencher as fichas daquela multidão de alistados. Os 13, eu e os outros 12, fomos dos poucos que foram aprovados para prestar o serviço militar – por apenas uma semana, é verdade – porém, a maioria nem isso, uns dispensados de incorporação por serem arrimo de família, outros por excesso de contingente, ou por ter o “pé chato”, a cabeça oca, sei lá. Foi meu primeiro contato, nada prazeroso, com a caserna.
O meu segundo “confronto” com o Exército aconteceu uns 10 anos mais tarde, em 1969, quando já repórter da rádio Jovem Pan, recebi do nosso secretário de redação, Narciso Kalili, a incumbência de acompanhar 3 dias de manobras militares no Vale do Paraiba, região de Paraibuna. Claro que minha reação foi a de todo repórter quando recebe uma pauta:
– Qual a importância disso? Por que eu?
– Você que é metido com paraquedismo tem o perfil ideal pra essa cobertura, e não estou aqui pra lhe dar explicações. – Sentenciou o saudoso Kalili.
Achei a argumentação sem propósito, porém, ficar longe da redação e escapar da rotina de pautas originadas de notícias estampadas nos jornais, me animou a não reclamar – coisa que os repórteres mais sabem fazer – e para demonstrar a minha boa vontade, corri a comprar um coturno de segunda mão em lojinhas que existiam na Avenida Tiradentes ao lado do Batalhão Tobias de Aguiar. Só não cantei a Canção do Soldado em posição de sentido no meio da redação, para não tomarem a atitude como ironia.
E lá fomos, eu, José Carlos de Moraes, (Tico-Tico), Berto Ferreira, Araripe Barbosa, todos de rádio, mais um batalhão de repórteres de jornais, televisão e cinegrafistas. Saímos de São Paulo em dois ônibus fretados pelo comando do II Exército rumo a Paraibuna, e já ao desembarcar, percebi que a troca da redação pelo acampamento militar não tinha sido uma boa ideia. Para cobrir as manobras de forma mais adequada e profissional, teríamos de envergar um uniforme que nos diferenciava das tropas envolvidas nos exercícios.
Recebemos o fardamento e, claro, nenhum com manequim compatível com o nosso corpo. “Tico-Tico”, por ter amigos nas Forças Armadas, achou-se no direito de reclamar em nome dele e em nome dos demais. Um sargento ao qual havia se dirigido, autoritário e mal educado, foi logo demonstrando sua rabujice
– O senhor pensa que isto aqui é desfile de modas? Não é a farda que se ajusta ao corpinho de vocês. Vocês é que tem de se adaptar ao uniforme. Entendeu?
O repórter “Tico-Tico”, de compleição física bem modesta, mas de um atrevimento comparado a estatura de Golias, largou o uniforme num banco e foi se queixar a um coronel, seu amigo, que comandava um dos pelotões envolvidos naquelas manobras. O resultado é que, além de um uniforme diferente do nosso, ele também conseguiu uma farda compatível com seu manequim e, acreditem, com as divisas de major. Sua primeira atitude foi passar meia dúzia de vezes diante do sargento mal educado, exigindo a sua respeitosa e submissa continência.
Foram três dias rastejando, ocultando-se atrás de moitas de “arranha gato”, avançando no terreno metro a metro, sugados por pernilongos e mosquitos pólvora, aliás, literalmente em seu ambiente, e também picados por abelhas. Posso dizer que o inferno descrito por Alighieri em sua Divina Comédia não passa de um “purgatóriozinho” se comparado com exercícios militares, pelo menos os daqueles tempos.









