Tenho acompanhado as discussões sobre a inclusão e distribuição desse livro aos estudantes do ensino médio nacional. O conteúdo didático do debate é mais atraente do que qualquer mérito pedagógico atribuível à obra. É desse aspecto que me ocuparei, sem qualquer demérito do autor ou do importante Prêmio Jabuti que recebeu.
“O avesso da pele” resenha teses ideológicas do wokismo, verdadeiro cercado fora do qual a esquerda brasileira escrevente ou falante já não consegue raciocinar politicamente e, menos ainda, administrativamente. De outra parte, as manifestações de contrariedade a que assisto focam a linguagem tosca, de calão (baixo calão é redundância) e conteúdos sexuais grosseiros, explícitos.
Ante as críticas, os defensores do uso didático da obra desviam do assunto (isso é bem típico) para atacar o reacionarismo, o conservadorismo, o “falso moralismo” e para discursar sobre 1964 (mais típico ainda). Risível hipocrisia nestes tempos de censura política oficial imposta com mão pesada! Quem propõe, hoje, doses ainda mais fortes de censura oficial e festeja tais ocorrências com gargalhadas, aplausos e “lacrações” pode falar em liberdade de expressão?
O mesmo grupo ideológico que tenta confundir com censura a retirada de um livro da rede escolar domina a cadeia produtiva da “educação” no país. Nela, promove interdições de livros, autores e – creiam – também de seus leitores! Haverá quem se atreva a negar a extensão e gravidade desse tipo de censura, do bullying e da defenestração da divergência, mormente em ambientes universitários? Uma vez majoritário, esse grupo político age como gato borrifando e marcando o território, se é que me faço entender.
O autor do livro se mostrou escandalizado com o fato de as descrições envolvendo sexualidade chamarem mais atenção do que a crítica à violência policial e ao racismo. Também isso é falacioso, retórico, porque não estamos tratando de literatura no sentido amplo, mas de literatura para uso como material didático destinado a adolescentes. Uns percebem a falácia, outros não. A sala de aula, mesmo numa sociedade de hábitos já degradados, deve ser um local de ascensão ética, estética, técnica, humanística e social. Um dos muitos erros de Paulo Freire foi criar uma escola que rejeita esse papel. Por apego doentio à política de classe social e à sociologia da miséria, enclausura os estudantes e restringe seu desenvolvimento.
Repete-se, à exaustão, que a obra foi aprovada para uso nas escolas pela Comissão Nacional do Livro Didático durante o governo Bolsonaro. Será isso o reconhecimento de um mérito do ex-presidente ou, mais uma vez, simples retórica oportunista para enganar tolos? A aprovação para distribuição do livro em meio à gestão precedente é indício do famoso controle esquerdista na burocracia do Ministério da Educação. Em abril de 2019, é bom lembrar, o governo anterior tentou, em vão, “enxugar e extinguir” centenas desses colegiados que atuavam e atuam junto à administração, na maior parte dos casos, como aparelhos excludentes, censores, partidários e ideológicos.
Alguém argumentou que “num país onde tão pouco se lê, proibir um livro, blábláblá…” (e por aí foi). Ora, ninguém quis bani-lo das livrarias ou bibliotecas, mas das salas de aula, exatamente porque em época de raros leitores esse local deve proporcionar aos alunos textos mais adequados à sua faixa etária e aos fins da Educação. Que o leiam de capa a capa, quantas vezes quiserem, nos cursos universitários!
Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.