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O excesso que adoece: quando o “cuidar demais” sufoca o outro – por Bruna Gayoso

Nem todo cuidado é cura. Às vezes, o amor que insiste demais, adoece.

Cuidar é um gesto de amor. Mas o amor, quando ultrapassa o limite do respeito, deixa de acolher e começa a sufocar.

O excesso de cuidado ainda que nasça da melhor das intenções pode se transformar em um peso emocional para quem o recebe.

Em vez de aliviar, ele pressiona; em vez de confortar, invade; em vez de ajudar, fragiliza.

Isso é especialmente visível em momentos de dor profunda, como o luto.

Quando alguém perde uma pessoa querida, a tendência natural de quem está por perto é querer proteger, consolar, estar junto o tempo todo.

Mas o que muitos esquecem é que a dor do outro precisa de espaço para existir.

E quando esse espaço é constantemente invadido, o processo de reconstrução emocional fica comprometido.

Cuidar não é controlar

Existe uma linha muito sutil entre o cuidado e o controle.

Cuidar é estar disponível, oferecer presença respeitosa e sensível.

Controlar é tentar dirigir o sofrimento do outro, impor companhia, decidir como ele deve reagir ou sentir.

Quem cuida demais, na verdade, tenta aliviar a própria angústia diante da dor alheia.

Não suporta ver o sofrimento e, para se sentir útil, se faz presente o tempo todo: liga, manda mensagens, aparece sem avisar, tenta distrair ou “animar”.

Mas o sofrimento precisa ser vivido, não evitado.

Cada dor tem um tempo, um ritmo e uma intensidade únicos.

Quando alguém tenta interferir nesse processo, o que ocorre é uma ruptura daquilo que o psiquismo tenta elaborar de forma natural

No luto, todo excesso faz mal

O luto é um processo que exige silêncio, recolhimento e tempo.

É a travessia em que o sujeito precisa reorganizar o próprio mundo interno diante da ausência.

E nesse percurso, todo excesso faz mal.

O excesso de palavras, de presença, de preocupação, de tentativas de “fazer o outro reagir”.

Quando o enlutado não tem espaço para viver a própria dor, surge um sofrimento ainda maior: o da invasão emocional.

Ele sente que precisa reagir, que precisa “ficar bem” para não preocupar os outros.

E, em vez de sentir, começa a reprimir.

A dor reprimida não desaparece ela se desloca.

Vira ansiedade, irritabilidade, insônia, culpa, vazio.

Há também algo importante que poucos percebem:

o excesso de cuidado pode gerar raiva.

A pessoa que está sofrendo começa a sentir-se sufocada, controlada, privada do direito de simplesmente existir em silêncio.

E o que era para ser acolhimento se transforma em incômodo, gerando irritação, brigas e até afastamento.

Essa raiva não é ingratidão.

É uma forma de defesa.

O psiquismo reage ao excesso tentando restabelecer o limite é um grito interno por espaço e autonomia.

Mas, sem entender isso, quem cuida se magoa e insiste ainda mais, reforçando o ciclo do sufocamento.

As consequências emocionais do cuidado em excesso

Do ponto de vista da saúde mental, o excesso de cuidado desequilibra. Ele tira do outro o protagonismo da própria experiência e o coloca na posição de dependência emocional.

A pessoa deixa de confiar em sua capacidade de se reerguer e passa a depender da presença alheia para suportar o que sente.

Entre as consequências mais comuns estão:

Sufocamento psíquico: a sensação constante de estar sendo observado ou cobrado;

Culpa: por não reagir como o outro espera;

Raiva e irritação: como defesa natural diante da invasão;

Discussões e afastamentos: o vínculo se torna tenso e pesado;

Bloqueio do luto: a dor não se transforma, apenas se acumula;

Dependência emocional: o outro passa a acreditar que não consegue enfrentar nada sozinho;

Desorganização interna: alternância entre apatia, ansiedade e confusão emocional.

O que começou como amor se transforma, aos poucos, em desordem psíquica.

E o vínculo, que deveria sustentar, passa a adoecer.

O tempo de sentir

O luto e qualquer dor emocional é um processo simbólico, que precisa de tempo e espaço para ser vivido.

Ninguém pode atravessá-lo pelo outro.

O papel do cuidado é acompanhar, não dirigir.

É sustentar a presença de forma silenciosa, sem pressionar, sem exigir reações.

Estar presente não significa estar em cima.

É possível oferecer amparo sem invadir, estar disponível sem sufocar.

Às vezes, o gesto mais amoroso é justamente dar espaço.

Dizer “estou aqui se precisar” e, de fato, permitir que o outro decida quando e como vai precisar.

O silêncio também é uma forma de cuidado.

Há dores que não se curam com palavras, mas com respeito.

Com o tempo, a pessoa em sofrimento encontra suas próprias formas de lidar com a perda e é isso que lhe devolve força, autonomia e equilíbrio interno.

Nem todo cuidado é cura

Existe uma crença de que quanto mais cuidamos, mais ajudamos.

Mas o cuidado em excesso não é ajuda é controle.

E o controle impede a elaboração emocional.

Nem todo cuidado é cura. Às vezes, o amor que insiste demais, adoece.

A presença constante, quando imposta, deixa de ser presença: vira vigilância.

E a vigilância é o oposto da empatia.

O cuidado saudável não invade, não força, não exige.

Ele reconhece os limites e respeita o tempo do outro.

É o amor que sabe sustentar o silêncio, confiar no processo e estar perto sem sufocar.

Amar também é saber se afastar

O amor maduro entende que o outro precisa viver o que sente, mesmo que isso cause desconforto em quem observa.

Amar é oferecer presença sem aprisionar.

É estar ao lado, mas permitir que o outro caminhe com as próprias pernas.

É compreender que há dores que ninguém pode resolver  apenas acompanhar.

Amar também é saber se afastar sem abandonar.

É respeitar o tempo do outro, confiar na sua capacidade de se reconstruir e compreender que o espaço também é uma forma de amor.

Porque o verdadeiro cuidado não sufoca, sustenta.

E o verdadeiro amor não impede o outro de sentir acompanha, com respeito e silêncio, até que a dor possa se transformar em força.

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