Na mitologia grega, Éris era a deusa da discórdia, símbolo da rivalidade, do conflito
e da ruptura entre semelhantes. Seu legado trágico ressurge, vez após vez, nos
momentos mais sombrios da história humana.
Ao longo dos séculos, tiranos e ideólogos não hesitaram em utilizar a discórdia
como ferramenta de dominação. Espalharam a cizânia entre o povo, alimentando o
ódio, a inveja e a desconfiança como estratégia para dividir e governar. Um povo
dividido é um povo fraco e um povo fraco é mais fácil de manipular.
Foi assim em Roma, no século I, quando o imperador Nero culpou os cristãos pelo
incêndio da cidade e deu início a um massacre cruel. Foi assim também na
Revolução Francesa, quando os jacobinos, nos “anos do Grande Terror”, lançaram
seus adversários ao cadafalso em nome da virtude. Mais uma vez a história se
repetiu na Rússia bolchevique, quando camponeses e pequenos proprietários
foram instigados uns contra os outros, culminando em expurgos e fuzilamentos.
Outra vez ocorreu a insidiosa artimanha na Alemanha nazista, onde o ódio
meticulosamente cultivado produziu o maior genocídio do século XX.
Hoje, com outras palavras e novos meios, o mesmo veneno volta a circular.
Alimentar a discórdia, semear o rancor, dividir irmãos por ideologia, por classe, por
etnia ou por fé, tudo isso continua sendo a arma preferida dos que não têm projeto
de país, apenas projeto de poder.
O ódio entre parentes destrói famílias. A ira entre vizinhos esfarela a convivência. O
rancor entre cidadãos destrói a própria ideia de nação. E por quê? Por qual razão
vale tanto sofrimento? Que filosofia cruel justifica o fratricídio, a perseguição, o
extermínio moral do outro? Malditos sejam aqueles que semeiam a cisão entre os
iguais, os que se aproveitam da ignorância para erguer muralhas onde deveriam
existir pontes.
A sanha contra quem pensa diferente é uma doença da alma. Querer calar,
subjugar, eliminar a diversidade de pensamento é pedantismo puro, travestido de
justiça. Não há liberdade onde todos pensam igual, há apenas servidão disfarçada
de ordem. Os que se embriagam da ideologia da discórdia, ou se submetem ao jogo
de líderes ardilosos, acabam por consumir a si mesmos. Perdem a lucidez,
comprometem o presente e destroem qualquer esperança de um futuro melhor. É
preciso resistir.
Vivemos tempos sombrios, em que a verdade é moldada conforme a conveniência
dos detentores do poder e a mentira circula vestida de justiça, fantasiada de
democracia. A sociedade, esgarçada pela desinformação e pela retórica do ódio, é
levada ao delírio da polarização como rebanho seduzido por flautistas de intenções
veladas, que a conduzirão ao seu ocaso.
Neste cenário de conflitos artificiais, reaparece a figura mítica de Éris, a deusa da
discórdia, não mais como alegoria antiga, mas como força ativa, encarnada em
discursos oportunistas, ideologias sectárias e lideranças que se alimentam do
caos. Seus filhos bastardos proliferam entre nós como lideranças políticas
populistas, pseudos defensores das massas populares, ilídimos arautos da
democracia, mas que se constituem na realidade meros agitadores, semeadores
de cizânia, arquitetos do antagonismo perpétuo.
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