A decisão pela criação do Dia Internacional da Mulher aconteceu décadas atrás, durante a primeira metade do século XX. Foi um período histórico importante, permeado pela luta de mulheres trabalhadoras que eram impactadas por condições indignas, sendo submetidas a ambientes de trabalho hostis, jornadas exaustivas e remuneração insuficiente, ou seja, pela ausência de direitos.
Ainda nesse período, aconteceram outros movimentos, como a marcante greve das trabalhadoras de uma indústria têxtil em 1908, um trágico incêndio que tirou a vida de centenas de trabalhadoras em 1911 esses dois episódios em Nova Iorque, e uma significativa passeata chamada de “Pão e Paz”, em 08 de março de 1917, protagonizada por operárias russas, com o objetivo de reivindicar melhores condições de trabalho e protestar contra a fome decorrente da escassez de alimentos durante a Primeira Guerra Mundial. Além de outras tantas mobilizações de mulheres na busca por direitos e liberdade ocorridas em diversos países ao longo do século XX.
O que todas essas ações tinham em comum? Uma voz uníssona ao redor do mundo em busca do reconhecimento dos direitos das mulheres que levou a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975, a declarar o Dia Internacional da Mulher.
Simone de Beauvoir, escritora, filósofa e ativista feminista tem uma frase que legitima esse cenário no transcender dos séculos: “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”.
Pois bem, é por essa razão que essa data remonta um momento de reflexão sobre os poucos avanços conquistados até hoje e a importância de compreendermos, como sociedade, como podemos melhorar a realidade das mulheres. Ainda há um longo caminho a ser percorrido: segundo uma declaração de 2023 da ONU Mulheres, se seguirmos no ritmo atual, serão necessários mais 300 anos para alcançarmos a igualdade de gênero.
Chegamos em 2024 e ainda nos deparamos com algumas das mesmas questões reivindicadas há mais de 100 anos. Temos uma grande parcela da população feminina que ainda precisa lutar por igualdade de gênero, lutar para ocupar determinados espaços na sociedade, lutar para conseguir as mesmas condições que os homens no mercado de trabalho. Mas, para o ‘mercado’, a data segue, ainda, sendo explorada de forma muito comercial, o que acaba por esvaziar uma pauta tão relevante e importante quando se opta por encobri-la pela oferta de flores e bombons. E é isso que temos divulgado para as mulheres, meninas e crianças em formação.
Ainda nesse tema, para que ou a para quem serve esse esvaziamento da pauta?
Ao me aventurar a responder este questionamento, posso supor que há quem diga que as mulheres já alcançaram um patamar “considerável” de direitos. Afinal, existe uma legislação recente de 2022 (Lei 14.457/22 – Programa Emprega + Mulher) que prevê que as trabalhadoras brasileiras tenham direito a salários iguais para trabalhos iguais, a um ambiente de trabalho sem violência e assédio, a creches para os filhos ou facilidade de acesso a esse benefício e, além disso, que as empresas possibilitem capacitação e ascensão profissional dessas mulheres. Na letra desta Lei, esse é um texto “que se propõe a atender” às reivindicações das mulheres dos séculos XX e XXI.
Agora, em março, essa obrigatoriedade dessa normativa faz 1 ano. Mas, será que todas as empresas já se enquadraram ao texto da Lei?
De acordo com o IBGE, mulheres brasileiras ganham 20% a menos que os homens para os mesmos cargos. Um estudo realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) em 2023 também identificou que elas são mais sobrecarregadas por responsabilidades domésticas e de cuidados com a família que os homens, com 17,8 horas semanais voltadas para essas atividades, enquanto eles dedicam apenas 11h. Além disso, mulheres também são as maiores vítimas de violência no ambiente de trabalho: um levantamento do Fórum Hub demonstrou que elas sofrem assédio sexual numa frequência seis vezes maior do que os homens nesses espaços, além de representarem 71% das vítimas de assédio moral.
Para além disso, também temos a Convenção 190 da OIT que entrou em vigor em 2021, reconhecendo o direito de todas as pessoas a um mundo de trabalho livre de violência e assédio, e ainda não foi ratificada pelo Brasil.
Diante desse cenário, é fundamental que o setor privado se movimente em prol da equidade de gênero e invista em iniciativas que contribuam para a criação de um ambiente de trabalho respeitoso, igualitário e que possibilite a progressão de carreira das mulheres. Felizmente, algumas iniciativas, como a Coalizão Empresarial pelo Fim das Violência contra Mulheres e Meninas, estão sendo criadas com o objetivo de unir empresas em prol da equidade de gênero. Liderada pelo Instituto Avon, possui cerca de 130 organizações signatárias e engajadas com esse objetivo – cerca de 70% delas, por exemplo, já possuem canais de denúncia, apoio e informação para casos de violência dentro e fora do ambiente corporativo e 60% delas já tiveram esses canais acionados.
No entanto, é provável que precisemos de mais um tempo para responder, todavia, para aquelas empresas que continuam optando por dar flores e bombons para as mulheres. Empresas, tenham em mente que estes itens serão aceitos em março, ou em qualquer um dos outros meses do ano, porém, é importante que saibam que muitas mulheres do século XXI seguirão vigilantes para que o 8 de Março não seja esvaziado no seu legado e possa dar luz aos direitos que ainda precisam ser alcançados.