Após o pedido de destaque do Ministro Zanin (em dezembro/2023), o desfecho da Revisão da Vida Toda (Tema de nº 1.102/STF) – cujo mérito foi definido, pela maioria do Plenário, favoravelmente aos aposentados em 01/12/2022 – vem sendo postergado, intencionalmente, pelo Ministro Barroso, que se vale das suas atribuições como Presidente da Corte para manipular, meticulosamente, as pautas de julgamento.
Encontra-se pendente no referido Tema, apenas, o julgamento dos aclaratórios opostos pelo INSS, ferramenta processual de fundamentação vinculada – diga-se de passagem – incapaz de reformar o mérito, porquanto somente é admissível o seu manejo para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material, eventualmente existentes no acórdão.
Em síntese, a controvérsia cinge-se sobre mera reafirmação e exegese daquilo que denominamos de “direito ao melhor benefício”, consolidado pela Suprema Corte no Tema de nº 334 – sob a relatoria da Ministra aposentada Ellen Gracie, em 2013. Daí a imensa dificuldade de prejudicar o Tema.
Desde fevereiro de 2024, o julgamento dos Embargos de Declaração poderá ser adiado pela 6ª (sexta) vez consecutiva se não for finalizada esta semana. A rigor, se as pautas fossem, de fato, respeitadas pelo Presidente Barroso (único com poderes de “organizar” os julgamentos), o julgamento teria ocorrido na Sessão Extraordinária de 1º de fevereiro de 2024. Vejamos, abaixo, a linha cronológica dos adiamentos.
Barroso postergou o julgamento do dia 1º. Este, deveria ter entrado na pauta do dia 07 de fevereiro conforme constava do site do STF. Não entrou. Em seguida, o julgamento foi redesignado para o dia 28 de fevereiro que, mais uma vez, foi alterado para o dia 29 (data para julgamentos de processos remanescentes) e, posteriormente, para o dia 20 de março.
Na última Sessão presencial do Plenário (em 14/03/2024), o Presidente Barroso assumiu, publicamente, o compromisso de deliberar sobre o recurso oposto até o dia 21 de março. Em tal declaração, Barroso, de forma execrável, considera o Tema “penoso”, sem mencionar a quem (suponhamos que seja ao Estado, por estarmos diante de um direito legítimo dos aposentados).
Como se vê, o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal é incapaz de não deixar parecer o seu veemente desprezo pelos aposentados – pessoas idosas, vulneráveis e hipossuficientes –, enquanto, além de protelar a efetividade da tutela jurisdicional, fica evidenciado, aos olhos dos aposentados, que ele os considera como verdadeiro estorvo ao país, descartando todas as contribuições (sociais e econômicas) vertidas pela classe durante as últimas décadas.
É estarrecedora a postura de Barroso ao demonstrar que esta causa, este Direito dos aposentados é penosa ao Estado. Podemos afirmar, com tranquilidade, que nunca, na história da mais elevada Corte, um Ministro, abertamente, tenha se manifestado de forma tão incomodada de ter que colocar fim ao julgamento e reconhecer o Direito que já deveria ter sido consagrado há mais de 2 anos.
Parece-nos que um Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil se esqueceu da principal função do Judiciário, qual seja: assegurar o cumprimento da legislação, visando alcançar a tão pretendida Justiça, doa a quem doer.
Nesse diapasão, o Juízo imparcial se posiciona externamente em relação aos sujeitos da tríplice identidade e ao sistema político, sendo um estranho quanto aos interesses defendidos pelas partes. A imparcialidade e independência se retroalimentam: assegurar o primeiro, reforça o segundo.
Não à toa, acertadamente, o Supremo Tribunal Federal, historicamente, decide favoravelmente aos aposentados em diversos Temas (nº. 313, 334 e 350, por exemplo), assegurando a efetividade de normas infraconstitucionais e direitos fundamentais.
Esperamos que, o Ministro Presidente honre a sua palavra e, genuinamente, não adie mais o desfecho do tema se empenhe para pôr fim à celeuma da Revisão da Vida Toda até o dia 21 de março acabando com a angustia dos aposentados que não podem esperar mais sob pena de lhes custarem a vida.
Importante rememorar que apenas uma pequena parcela dos aposentados faz jus à revisão, pois grande parte das pessoas iniciam suas carreiras com baixos salários-de-contribuição, nos colocando diante, portanto, daquilo que a melhor doutrina denomina de “ação de exceção”. Indo além, durante a tramitação do Tema, inúmeros idosos que faziam jus ao direito já faleceram, enquanto outros remanescentes já foram prejudicados pela ocorrência da decadência.
Não é demais mencionar que os efeitos do Tema se estendem aos familiares dos aposentados, afinal, são eles que prestarão auxílio (econômico e afetivo) aos idosos conforme os custos da idade continuam a se elevar gradativamente (com medicamentos mais caros/efetivos, tratamentos médicos, alimentação mais regrada, planos de saúde e, eventualmente, terceiros auxiliares).
O comportamento de Barroso, que jurou – ao ser empossado como Presidente – zelar pela segurança jurídica e combater a pobreza, não dialoga com sua irresignação com o mérito definido a favor dos aposentados. Seus desmotivados adiamentos de pauta não podem ter relação de conduzi-lo, em conjunto com Gilmar Mendes e Zanin, a desvirtuar o controle concentrado (nas ADI’s 2.110 e 2.111) para afetar/prejudicar a Revisão da Vida Toda.
Preservar o direito dos aposentados na Revisão da Vida Toda é, além de justiça social, uma salvaguarda crucial para a credibilidade do INSS perante as gerações futuras. A contrario sensu, vilipendiar o Tema, por quaisquer meios (anular o mérito com base em omissão inexistente ou prejudicar o mérito, desvirtuando o controle concentrado), provocaria consequências econômicas adversas que vão muito além dos interesses individuais dos aposentados, dada a instabilidade e imprevisibilidade de decisões judiciais conflitantes.
Pertinente é a redundância na afirmação de que estamos tratando de minorias, vulneráveis (em todos os sentidos: econômico, técnico e jurídico) e, em inúmeras ocasiões, desamparados por vários órgãos (principalmente pelo INSS que, “misteriosamente”, sempre erra na concessão dos benefícios). Por tal razão, justificada é a cautela no desfecho do Tema, ante a imensa sutileza e delicadeza dos jurisdicionados.
Decerto, os demais Ministros honrarão a toga, bem como os compromissos assumidos no ato de suas posses como membros da mais prestigiada Corte do Judiciário, com decência e humanidade, posto que milhares de vidas aguardam a formação da coisa julgada material de maneira hígida – sem interferências políticas, pois o Judiciário não pode se tornar em um fantoche do Executivo.
*Murilo Gurjão Silveira Aith é advogado e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados