Há quase 40 anos, uso a Marginal Pinheiros – sentido Interlagos – para chegar em casa. De uns tempos para cá, vinha observando a movimentação de obras perto da Usina da Traição e, há cerca de um mês, uma agitação maior: tratores em ação, grande volume de terra e separação com tapumes da pista expressa, ocasionando trânsito pesado devido ao estreitamento da pista.
O uso do cachimbo entorta a boca e a repórter que nunca saiu de mim ficou querendo saber o que estava acontecendo ali. Motoristas de táxi ofereciam várias hipóteses: um parque, um empreendimento imobiliário, nova pista da Marginal.
Com o cachimbo entortando a boca, lá fui eu para o Google, já que jornais tenho visto muito pouco – degeneração de mácula tem me impedido disso. Quase caí para trás! Alguns vídeos muito bem feitos me informaram que a empresa JHFS (especialista em construção de shoppings), em entendimentos com a Prefeitura de São Paulo, fez a retificação da chamada curva da Traição, na Marginal Pinheiros – construindo uma nova pista em linha reta. E que, pelos serviços prestados, terá o direito de construir torres com mais de 140 metros de altura no chamado Parque Bruno Covas.
Mas que Parque Bruno Covas é esse que não conheço? A redação das notícias dá a entender que o Parque Bruno Covas já existe. Onde? Quando? Cadê? Mais: num texto da Prefeitura de São Paulo, fiquei sabendo que a curva eliminada era considerada perigosa. Nestes 40 anos que frequento a Marginal, nunca vi um desastre ali, mas quem sabe era mesmo perigosa, a pobre da curva?
Busco mais notícias, fico sabendo que em 2023 o TCM de São Paulo – Tribunal de Contas do Município – tinha mandado investigar se a JHFS estaria vendendo apartamentos nas torres que construiria, sendo que a empresa negou a acusação. Leio também que o prefeito Ricardo Nunes já “entregou” a nova pista da Marginal. A matéria conta que Sua Excelência diz que “é muito bom trabalhar com o privado, aquele pedaço da Marginal Tietê terá um empreendimento muito bacana”. Mas onde está a pista nova, que não a vejo, não a vi e nem sei onde está?
O fato é que ando sempre pela pista doméstica, aquela que dá acesso ao Shopping Cidade Jardim e também ao Real Parque, e dela não se vê o que acontece na pista expressa, agora distante. Vou ao Google novamente e vejo, por fotos provavelmente feitas com drones, que a movimentação naquele pedaço é enorme, os carros já transitam pela reta construída pela JHFS, mas não vejo o tal Parque Bruno Covas. Onde fica ele? Prometo a mim mesma que na próxima vinda para casa vou experimentar a pista expressa, quem sabe descubro mais alguma coisa?
Abro um parênteses para contar que quando trabalhava na revista Construção em São Paulo, fui fazer entrevista com o então Secretário dos Transportes, Dr. Paulo Maluf, sobre o “cebolão”, aquele complexo de viadutos no encontro dos rios Tietê e Pinheiros, e ele enrolou tanto que quase saí achando que o “cebolão” estava pronto. O mesmo estou achando agora do tal Parque Bruno Covas; a redação dos textos que encontro no Google (da Prefeitura e da JHS) dão a impressão de que está tudo pronto.
Ainda no Google, vejo matérias em que se diz que o local será o “Puerto Madero de Buenos Aires” em pleno Rio Pinheiros, e até acredito. Não duvido nada sobre a competência da JHFS, construtora do Shopping Cidade Jardim, um dos mais bonitos que conheço. Também não me insurjo contra novos empreendimentos; vivemos no capitalismo e ele segue em frente criando empregos e oportunidades. O que me surpreende e intimida são as tais torres de mais de 140 metros entre uma e outra pista da marginal. Moradores, visitantes, empregados, carros, entregas ajudarão a entupir rapidamente a nova pista e também a que eu uso. Então não terá adiantado nada a supressão da curva. A tal perigosa.
Falam também as notícias na revitalização do prédio da Usina da Traição, que terá cinema com tela gigantesca, restaurantes, lojas e mais toda espécie de facilidades e bem-estar para os frequentadores. E na possibilidade de avanço do Shopping Cidade Jardim para a nova área. E o Parque Bruno Covas, vai ter lugar para ele e as árvores que deverão estar lá, como devem existir em todo parque que se preze? E a população da cidade de São Paulo, que espera pelo Monotrilho que ligará Congonhas, o Aeroporto, ao Estádio do Morumbi, e que se arrasta como cobra preguiçosa há vários anos, essa população poderá também frequentar o requintadíssimo Puerto Madero caboclo? Ou será só para a elite?
Tem outras coisas que me intimidam, e estas muitíssimo: com essas novas e apavorantes catástrofes climáticas, como a que acaba de acontecer no Rio Grande do Sul, acho que as pistas das marginais de São Paulo (tanto as do Tietê como as do Pinheiros) deveriam se afastar e não se aproximar cada vez mais dos rios. Quando há chuvas fortes por aqui, as pistas da Marginal do Pinheiros no trecho que conheço bem costumam ficar alagadas (as do Tietê, nem se fala!). Como se comportará a nova pista que a JHFS está construindo, coladinha ao rio?
Tenho certeza que a resposta será esta: “Tudo previsto pela engenharia de ponta que projetou a reconfiguração geométrica da região.”
Mesmo?
Então que venha nosso Puerto Madero caboclo. Só espero que gente mais competente que eu – sou só uma repórter inveterada – faça outras perguntas e veja se está tudo certo entre a Prefeitura Paulistana e a empresa que está projetando nosso Puerto Madero. E que o Parque Bruno Covas cresça e apareça.