Devido às várias investidas contra o estado democrático de direito, tanto por pessoas individualmente consideradas quanto por instituições, uma pergunta comumente é feita: como deve o Ministério Público proceder quando o abuso de poder parte do próprio Estado?
E a resposta é trazida pela própria Constituição Federal.
O artigo 127 da nossa Magna Carta é muito claro: “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Dentre esse universo de atribuições mandamentais, isto é, obrigatórias e não apenas mera sugestão ou enfeite, o Ministério Público tem a função de proteger o regime democrático, que pode ser conceituado como o regime do povo, pelo povo e para o povo.
Assim, não é o Estado o dono do poder, mas o povo que o confia ao Estado, a fim de que organize a sociedade, já que no seu estado puro o homem dificilmente se auto-organizaria e o final seria a anarquia e a destruição da comunidade.
Note-se, portanto, que ao Estado é apenas confiado o poder de império, que lhe é transferido pelo povo, que elege seus representantes por meio do voto, cujo sistema de escolha dependerá da forma determinada na Carta Constitucional.
Por isso, defender a democracia é defender diretamente o povo e indiretamente o Estado, que apenas detém o poder que lhe foi transferido pela sociedade para que governe para ela e não para os detentores do poder.
E a defesa do regime democrático deve partir desse pressuposto, isto é, que a atividade final do Ministério Público é a defesa direta do povo e indiretamente do Estado.
Com efeito, havendo abuso por parte do Estado quanto ao descumprimento de direitos fundamentais da população, o Ministério Público deve ser o primeiro a se insurgir, pois, como dito, a democracia é o regime do povo, pelo povo e para o povo, que apenas transfere o exercício da organização e administração do Estado para pessoas eleitas, que, dentre outras coisas, elaborarão a legislação e administrarão o país.
Dessa forma, quando o povo se encontra acuado, com medo de falar, de reclamar, de criticar ou mesmo de exigir daqueles que transferiu sua parcela de poder, é que algo está muito errado. O povo, que confiou no Estado para a administração do país, não pode ser por este oprimido.
E quando digo o povo é qualquer pessoa, pouco importando se de direita, esquerda, pobre ou rica. A população tem no Ministério Público seu anjo protetor e, por isso, é inconcebível que o Órgão responsável por fiscalizar a aplicação da lei, das regras e dos princípios constitucionais se cale quando observa que o regime constitucional não está sendo observado, pouco importando quem seja o infrator.
A violação dos direitos fundamentais de uma pessoa importa a de todas as demais. A partir do momento em que se tolera que direitos fundamentais, que nos são extremamente caros, de uma ou mais pessoas sejam violados, todos os demais cidadãos também são atingidos indiretamente.
Aberta a porteira nada mais impede que novas violações ocorram, posto que a ausência de reação importa aquiescência e incentiva os infratores a cada vez mais assim agirem em escala geométrica.
Não se concebe um Ministério Público aparelhado em qualquer de seus ramos. Muito embora o chefe do Ministério Público seja escolhido pelo Poder Executivo, na figura do Presidente da República, do Governador dos Estados ou do Distrito Federal, nestes dois últimos casos de uma lista tríplice, deve a Instituição se pautar pela independência de seus membros, inclusive dos Procuradores Gerais, tanto na esfera federal quanto na estadual. Do contrário, a população e as instituições democráticas estarão órfãs, não tendo a quem recorrer.
Como Instituição responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, deve o Ministério Público, de acordo com suas atribuições constitucionais e legais, adotar as providências necessárias, dentro da legalidade, para que os abusos e arbitrariedades cessem, responsabilizando os eventuais infratores, sejam eles quem forem.