A relevância dos minerais críticos para os BRICS é existencial. É a base para sua autonomia tecnológica, segurança energética e projeção de poder geopolítico no século XXI.
A oportunidade é histórica: pela primeira vez, um bloco de nações possui, em conjunto, todas as peças do quebra-cabeça – das vastas reservas (Brasil, Rússia, África) à tecnologia de refino (China, Rússia) e ao colossal mercado consumidor e industrial (China, Índia).
Que país detém a tecnologia mais avançada para o refino de cada um dos elementos das chamadas terras raras e minerais críticos?
Esta é uma pergunta crucial que vai ao cerne da geopolítica dos minerais críticos. A tecnologia de refino é, frequentemente, um segredo industrial mais valioso do que a própria mineração.
Aqui está uma análise detalhada, por país, do domínio tecnológico para o refino de cada elemento crítico.
Visão geral: O domínio da China
Antes de detalhar por elemento, é fundamental entender que a China detém um domínio esmagador e quase monolítico na tecnologia de refino da maioria absoluta desses elementos. Este domínio foi construído através de:
Investimento estatal maciço: Em P&D e em infraestrutura de plantas de refino.
Controle da cadeia: Dominando desde a mineração até o produto final, criando um ecossistema fechado e eficiente.
Tolerância ambiental histórica: Os processos de refino são frequentemente sujos e geram resíduos tóxicos/radioativos. A regulamentação ambiental menos rígida nas décadas passadas deu à China uma vantagem inicial.
Aquisição de know-how: Através de joint ventures e aquisições de tecnologia ao redor do mundo.
Detalhamento por país e tecnologia de refino
1. República Popular da China: O Polo Tecnológico Global
A China não só é o maior produtor, mas também o centro tecnológico mundial de refino para a maioria dos elementos.
Elementos: Todas as 17 Terras Raras.
Tecnologia de refino dominante:
Separação por solventes (SX) em múltiplos estágios: Esta é a tecnologia central. Os chineses aperfeiçoaram essa técnica até um nível de eficiência e custo inigualável. Eles desenvolveram solventes orgânicos proprietários e sequências de processo que maximizam a recuperação e a pureza de cada elemento individual a partir do concentrado misturado.
Processos integrados de cloração: Para a produção de metais puros, a China domina a rota de cloração (transformação dos óxidos em cloretos) seguida por eletrólise em banho de sal fundido, um processo de alto consumo energético que eles conseguem operar em escala.
Empresas líderes: Empresas estatais e semiestatais como China Northern Rare Earth Group, China Minmetals Rare Earth, e Ganzhou Rare Earth Group são as detentoras dessa tecnologia.
Elementos: Lítio (em escala massiva), Grafita para Ânodos, Cobalto, Níquel para Baterias.
Tecnologia de refino dominante:
Lítio: Dominam tanto a rota de evaporação de salmouras (para carbonato/hidróxido) quanto a rota de lixiviação ácida de espodumênio. Suas plantas são as maiores e mais eficientes do mundo.
Grafita: Dominam as duas rotas de purificação crítica para ânodos: a purificação química com ácido fluorídrico (HF) e, cada vez mais, a purificação térmica a 3000°C, construindo os maiores fornos gráficos do mundo.
Cobalto e Níquel: Possuem complexos metalúrgicos integrados para processar minérios e intermediários (muitos importados da África e do Sudeste Asiático) em sulfatos de grau bateria de alta pureza.
Empresas líderes: Ganfeng Lithium, Tianqi Lithium (Lítio); BTR New Material, Shanshan Tech (Grafita); Huayou Cobalt, GEM (Cobalto).
2. Rússia: Especialista em elementos de alto valor
A Rússia herda uma base tecnológica sólida da era soviética e é um player especializado.
Elementos: Terras Raras (especialmente as mais pesadas e valiosas).
Tecnologia de refino dominante:
Tecnologia de extração por solvente e troca iônica: Assim como a China, dominam a SX, mas com um foco histórico em elementos específicos para aplicações militares e aeroespaciais. Sua tecnologia é avançada, mas a escala de produção é muito menor que a chinesa.
Empresa líder: Solikamsk Magnesium Works é um dos poucos produtores fora da China com capacidade de refino de Terras Raras.
3. Japão: Especialista em aplicações de alto desempenho
O Japão, carente de recursos naturais, focou seu domínio tecnológico no final da cadeia: na criação de ligas, ímãs e componentes de altíssimo desempenho.
Elementos: Ligas e ímãs de terras taras (Neodímio-Ferro-Boro).
Tecnologia de refino dominante:
Tecnologia de ligamento por sinterização a vácuo: Embora importem a maioria dos óxidos e metais de Terras Raras da China, os japoneses possuem a tecnologia mais avançada do mundo para transformar esses metais em ímãs permanentes de altíssima performance, essenciais para motores de VE e turbinas eólicas. Eles dominam a metalurgia do pó e os processos de sinterização que definem a qualidade final do ímã.
Empresas Líderes: Hitachi Metals (NeoMag), TDK, Shin-Etsu Chemical.
4. Austrália e Chile: Líderes em Refino de Lítio por Rota Específica
Estes países são líderes na produção de matéria-prima e possuem tecnologia de refino de ponta para suas rotas específicas.
Elemento: Lítio.
Tecnologia de refino dominante:
Austrália (Rocha – Espodumênio): Dominam a rota de torrefação e lixiviação ácida do espodumênio. Empresas como Albemarle (EUA) e Pilbara Minerals operam plantas de refino de concentrado para carbonato/hidróxido em solo australiano com tecnologia de ponta.
Chile (Salmoura): Dominam a tecnologia de evaporação solar e purificação química de salmouras. A SQM desenvolveu know-how profundo na gestão dos enormes salares e na química de purificação para produzir carbonato de lítio de custo ultrabaixo.
Empresas Líderes: Albemarle (opera nos dois países), SQM (Chile), Pilbara Minerals (Austrália).
5. Brasil: domínio absoluto em um nicho crítico
O Brasil é um caso de domínio tecnológico quase total em um elemento específico.
Elemento: Nióbio.
Tecnologia de refino dominante:
Pirometalurgia e produção de ferronióbio: A CBMM desenvolveu, ao longo de décadas, uma tecnologia proprietária e ultra-eficiente para a produção de ferronióbio. Seu processo envolve a fusão do minério de pirocloro em fornos elétricos submersos com aditivos específicos, resultando em uma liga de altíssima pureza e baixo teor de impurezas. Eles também detêm tecnologia para a produção de nióbio metálico de alta pureza por redução com alumínio e outros métodos.
Empresa líder: CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração). A tecnologia da CBMM é um segredo industrial guardado a sete chaves e é a razão pela qual o Brasil controla ~85% do mercado global deste elemento crítico.
A relevância e oportunidade para os BRICS no domínio das cadeias de minerais críticos e terras raras é, possivelmente, um dos pilares mais concretos para a consolidação do bloco como um contrapeso econômico e geopolítico ao eixo tradicionalmente dominado pelos EUA e Europa.
Aqui está uma análise detalhada da relevância e das oportunidades para os BRICS:
1. Relevância estratégica: Por que isso é fundamental para os BRICS?
Coletivamente, os BRICS possuem uma posição única que combina recursos naturais, capacidades tecnológicas nascentes e mercados consumidores em crescimento.
Redução da dependência estratégica: Atualmente, todos os membros dos BRICS, em maior ou menor grau, são dependentes da China para o fornecimento ou refino de diversos minerais críticos. Fortalecer uma cadeia interna aos BRICS reduziria a vulnerabilidade de todos perante disputas comerciais ou instabilidades globais.
Barganha geopolítica: O controle coletivo sobre uma parcela significativa dos recursos e do refino concede um poder de barganha sem precedentes em negociações internacionais, na definição de padrões tecnológicos e na governança global.
Acoplamento estrutural das economias: A cooperação nesta área cria interdependências econômicas profundas e benéficas dentro do bloco. O minério brasileiro pode alimentar as fábricas de baterias indianas, que serão usadas em carros elétricos russos, financiados por capital chinês e sul-africano.
Segurança Nacional: O acesso garantido a esses insumos é vital para os setores de defesa e aerospacial de todas as nações do bloco.
2. Análise das oportunidades por país membro
Cada país dos BRICS traz uma peça crucial para este quebra-cabeça estratégico.
Brasil (B): O gigante dos recursos
Oportunidade: É a “Arábia Saudita dos Minerais Críticos” do bloco. Sua oportunidade vai além da exportação de minério bruto.
Nióbio: Domínio global (~85% das reservas e da tecnologia de refino via CBMM). Pode ser o fornecedor exclusivo para projetos industriais e de infraestrutura do bloco.
Terras Raras: 4ª maior reserva mundial. Oportunidade de atrair investimento e know-how dos parceiros BRICS para desenvolver toda a cadeia, da mineração ao refino.
Lítio e Grafita: Reservas vastas e em expansão. Pode se tornar um hub regional de baterias para a América do Sul, suprindo o bloco.
Papel no BRICS: Fornecedor de matéria-prima estratégica e desenvolvedor de cadeias.
Rússia (R): A Potência Tecnológico-Militar
Oportunidade: Possui reservas significativas de terras raras e tecnologia avançada de refino, herdada da era soviética, especialmente para elementos de alto valor usados em aplicações militares e aeroespaciais.
Pode fornecer o know-how de refino de terras raras pesadas que outros membros (como Brasil e África do Sul) precisam.
Seu setor nuclear é um consumidor massivo de certas ligas e elementos, criando uma demanda interna segura.
Papel no BRICS: Fornecedor de Tecnologia de Refino Especializado e Demanda de Alta Performance.
Índia (I): A Fábrica e o Mercado de Amanhã
Oportunidade: A Índia é o elo fraco em recursos, mas o mais forte em potencial de consumo e capacidade industrial.
Programa PLI (Production-Linked Incentive): Já está oferecendo bilhões em incentivos para fabricação de baterias de íon-lítio e células solares. Pode se tornar a “fábrica de produtos verdes” do bloco.
Sua indústria de TI e software pode desenvolver os sistemas de gestão (BMS) e digitalização das minas inteligentes.
Necessita desesperadamente de parceiros estáveis para fornecer lítio, cobalto e terras raras para sua transição energética.
Papel no BRICS: Destino de Investimento, Centro de Manufatura e Desenvolvedor de Software e Soluções.
China (C): O Jogador Verticalmente Integrado
Oportunidade: A China é, ao mesmo tempo, o maior desafio e a maior oportunidade. Seu domínio é tão absoluto que poderia ditar os termos. No entanto, sua oportunidade dentro dos BRICS é:
Exportar Tecnologia e Capital: Financiar e construir minas e refinarias em outros países BRICS, garantindo suprimento para sua indústria e diversificando geograficamente sua produção.
Mover a Cadeia para Montagem de Valor Mais Alto: Conforme seus custos internos sobem, pode ser vantajoso transferir etapas de manufatura de componentes (e.g., ímãs, catodos) para a Índia ou o Brasil, mantendo o controle do refino de alta pureza.
Segurança de Recursos: Garantir acesso a longo prazo ao nióbio brasileiro e a outros minerais dos parceiros.
Papel no BRICS: Fonte de Capital, Tecnologia de Refino em Larga Escala e Demanda Massiva.
África do Sul (S): O Portal dos Minerais Africanos
Oportunidade: A África do Sul possui uma indústria mineral madura e é a porta de entrada para todo o continente africano, que é riquíssimo em minerais críticos (cobalto da RDC, platina do Zimbábue, manganês de Gana).
Platina e Paládio: Líder global, essenciais para catalisadores de veículos a hidrogênio e outros processos químicos.
Refino de Cobalto e Manganês: Pode se tornar um centro de refino para os minérios extraídos em outros países africanos, agregando valor antes da exportação.
Papel no BRICS: Especialista em Mineração Profunda, Centro de Refino Regional e Ponte para a África.
3. Oportunidades Coletivas e Ações Estratégicas
Para materializar este potencial, os BRICS precisam adotar ações concretas:
Criar um “Banco de Dados de Recursos BRICS”: Um mapeamento conjunto e transparente das reservas, capacidades de refino e demandas projetadas de cada membro.
Estabelecer uma “Câmara de Compensação de Minerais Críticos”: Um mecanismo para facilitar o comércio intra-BRICS, preferencialmente em moedas locais, reduzindo a dependência do dólar.
Fundo BRICS para Projetos Minerais Estratégicos: Um fundo de investimento conjunto para financiar minas, refinarias e parques industriais em território dos membros, priorizando a integração da cadeia.
Programas Conjuntos de P&D: Centros de pesquisa focados em:
Desenvolver técnicas de refino mais limpas e eficientes.
Encontrar substitutos para elementos mais críticos e escassos.
Avançar na reciclagem (mineração urbana) de produtos eletrônicos no fim da vida útil.
Padrões e Certificações Comuns: Desenvolver padrões ambientais, sociais e de qualidade (ESG) próprios, evitando barreiras não tarifárias e criando uma marca “BRICS” confiável.
A realização desta oportunidade, no entanto, depende da capacidade de superar divergências bilaterais e de construir uma confiança estratégica e uma governança compartilhada. Se conseguirem, os BRICS não serão apenas um acrônimo, mas uma força reconfiguradora da economia global baseada em recursos.
Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento Nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois. Engenheiro eletrônico formado pela USP, com especialização em Telecomunicações pela Unicamp e em Inteligência Artificial pela UFV, é diretor de Políticas Públicas da EngD – Engenharia pela Democracia.