O Congresso Nacional manteve o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro à Lei de Segurança Nacional, especialmente, no que tange à criminalização das fake news- comunicação enganosa em massa – e, ainda, do trecho que aumentava a pena de militares contra do Estado de Direito. Assim, o veto foi mantido por 317 votos a 139 e teve 4 abstenções. Algumas observações são importantes no caso em tela.
O primeiro aspecto é que o Governo orientou pela derrubada do veto e tomou uma “lavada” da oposição. Some-se a isso os gritos de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”, “vitória da democracia e da liberdade”. A já aludida polarização tornou-se, há muito, uma calcificação política e o país continua fraturado naqueles que apoiam/votam e/ou assumem os valores dos campos bolsonarista e lulista. Ademais, Bolsonaro, quando ainda era presidente, chegou a afirmar sobre fake news: quem nunca havia contado uma mentirinha? A mentira venceu e esse Congresso está conectado com nossa sociedade que, tranquilamente, produz e compartilha fake news, teorias da conspiração e negacionistas de distintas ordens. E tudo impulsionado pela lógica dos algoritmos que geram lucros às big techs e moldam comportamentos valorizando o medo, ódio e o ressentimento.
O segundo aspecto é que teremos, cotidianamente, que envidar esforços para, em quase tudo o que for do mundo da política, conseguir separar a verdade factual da produção de desinformação e mensagens fraudulentas massificadas, com ataques aos elementos fundamentais do Estado Democrático e de Direito. Políticos, enquanto atores sociais e produzidos no bojo da sociedade, tornam-se, para muitos, legitimadores das fake news que chegam aos indivíduos e grupos sociais, gerando o viés de confirmação e até mesmo uma dissonância cognitiva. Jornalistas, cientistas e intelectuais públicos perdem espaços para influenciadores, lacradores e são atacados impiedosamente. Tranquilidade, ponderação e análises objetivas não geram engajamento.
De acordo com as redes sociais de A Grande Verdade, que foi um programa de rádio com jornalistas e comentaristas da cena social e política brasileira, a sinalização do Congresso foi clara: “A derrota é do Brasil. Por 317 votos contra 139, o Congresso Nacional mandou hoje o seguinte recado para os brasileiros: fake news não poderão ser punidas criminalmente. Para a esmagadora maioria dos parlamentares, espalhar mentiras deliberadamente nas redes sociais como ‘vacinas contra a covid causam AIDS’, ‘as urnas eletrônicas não funcionam’, ‘as Forças Armadas são um poder acima dos outros’, ‘Haddad criou o kit gay’, ‘Marielle Franco era casada com o chefe do tráfico’, ‘se for eleito, Lula vai fechar as igrejas’, ‘se o PT ganhar, vão instalar banheiros unissex nas escolas’, ‘Lula roubou 240 bilhões da saúde’, ‘Lula vai incentivar crianças a usarem drogas’, dentre tantas outras não é crime”.
Nosso Congresso está, afirmei acima, conectado à nossa sociedade e a representa muito bem. Para os alemães, há o zeitgeist – o “espírito da época”. Nossa época é de ataque à razão, à ciência, à verdade, à ponderação, à política como espaço dialógico de resolução dos conflitos. Que mal faz uma “mentirinha” na política, na sociedade, não é mesmo?