Quando Luciano Huck resolve discursar sobre a violência nos morros do Rio de Janeiro, é preciso lembrar que ele fala de um lugar social e de um ambiente (seu entorno) muito distantes da realidade que pretende interpretar, vestir, se fantasiar…
Huck, vale lembrar, não cresceu em comunidade marcada por incursões policiais, violência armada ou ausência sistemática do Estado. Seu cotidiano sempre esteve ancorado em condomínios de alto/altíssimo padrão, redes de contatos privilegiadas e proteção garantida por uma vida abastada. Portanto, quando fala do “povo”, fala de longe. E falar de longe, nesse caso, não é apenas desconhecimento: é uma escolha, um jogo de cena criteriosamente arquitetado pela elite que finge ter compromisso social.
Há anos, Huck se apresenta como uma espécie de mediador entre mundos — um apresentador que “sobe o morro”, conversa com moradores, distribui simpatia e caridade televisionada. Mas não se trata de aproximação real. Trata-se de espetáculo. É a velha lógica aristocrática que se fantasia de popular para gerar comoção, engajamento e audiência. Um teatro de solidariedade, muito bem encenado, que transforma desigualdade em roteiro e sofrimento em produto. E ele se alimenta disso.
Sua história política reforça essa contradição. Luciano Huck se alinhou publicamente a Aécio Neves, defendendo seu projeto político, sua visão de Brasil e suas alianças com as elites econômicas e oligarquias regionais. O discurso de meritocracia — que Huck repetiu por anos — desconsidera as barreiras estruturais impostas a quem nasce nos morros, sem escola de qualidade, sem segurança, sem direitos mínimos assegurados. Dizer que “o esforço” é o que separa o sucesso do fracasso, vindo de alguém que nunca precisou enfrentar a precariedade para existir, é uma forma polida de culpabilizar a vítima e lavar as mãos da responsabilidade social e política.
A fala recente de Huck sobre a violência nas favelas não é novidade: segue a fórmula do comentário “sensível”, indignado de fachada, temperado com um certo distanciamento moralmente confortável. Mas quando o morro sangra, quem paga o preço não é ele. Quem precisa correr quando o caveirão sobe não é ele. Quem perde um filho por bala “perdida” não é ele. Huck observa o incêndio da sacada, lamenta o cenário e volta para seu cotidiano blindado.
Trata-se de um populismo midiático que existe “para inglês ver”: um ato performático que busca credibilidade social para quem, na prática, não está disposto a enfrentar os interesses que sustentam a desigualdade. Huck faz papel de povo, mas nunca esteve do lado do povo quando a disputa é por poder, orçamento e prioridades de Estado.
A violência nos morros é uma tragédia real, vivida por pessoas reais, que não precisam de mais um aristocrata brincando de intérprete de sua dor. O que elas precisam é de escuta, de políticas públicas, de direitos básicos, de respeito. E respeito é aquilo que falta quando alguém fala sobre uma vida que nunca conheceu — e ainda tenta lucrar politicamente com isso.










